O furacão Sandy passou pelos Estados Unidos, mas deixou parte
de seu rastro em toda a comunidade global, que, perplexa, assiste a fragilidade
dos sistemas e estruturas nas quais sempre depositou grande parte de sua
tranquilidade e segurança.
Em uma sociedade desacostumada com a ausência de controle
sobre quase todas as circunstâncias, a passagem do furacão desperta um
sentimento ímpar, que destoa da correria cotidiana como uma grande pausa, um
silêncio e uma incerteza íntima, que incomoda até mesmo as consciências mais
endurecidas.
Surpreende, no entanto, que as vozes que se propagam nos meios
de informação, principalmente aqueles de grande escala, reagiram com excessiva
cautela à associação do fenômeno com as mudanças climáticas. Surpreende que a
negativa a esta consideração, tenha tomado quase tanto espaço quanto a
discussão da relação entre Sandy e o agravamento das mudanças climáticas. É
possível tentar esconder o tema do aquecimento global das pautas e manchetes,
mas não é possível esconder o medo e assombro que se revela nestas próprias
tentativas. As pessoas têm medo.
Medo das mudanças climáticas? Do imprevisível na natureza?
Da sujeição a um sistema do qual não temos controle? Creio que sim, mas não
completamente. O primeiro medo, que desatado se revela aos olhos, é de outra
natureza.
O primeiro medo vem lá do fundo, da sala escondida no
edifício do espírito de nosso tempo, indicando que “não temos razão”. Pois se
ficar comprovado, que sim, o aquecimento global e as mudanças climáticas estão
em curso, toda uma legião, principalmente de lideranças, verá estampada em suas
faces, a vergonha indelével de ter errado e persistido no erro.
Tanto os formadores de opinião, quanto parte da opinião
pública, temem, pavorosamente, terem feito tudo errado, o tempo todo.
É ingenuidade atribuir aos grupos petrolíferos, por exemplo, o topo de uma cadeia de responsabilidade. Está tudo errado, estamos todos errados. Pois as mudanças climáticas não provêm de fonte única, elas são resultado de uma intrincada rede de efeitos em desequilíbrio, de múltiplas contribuições.
É ingenuidade atribuir aos grupos petrolíferos, por exemplo, o topo de uma cadeia de responsabilidade. Está tudo errado, estamos todos errados. Pois as mudanças climáticas não provêm de fonte única, elas são resultado de uma intrincada rede de efeitos em desequilíbrio, de múltiplas contribuições.
O medo que vem primeiro, mesmo inconsciente, parece vir do
reconhecimento de que deveríamos estar fazendo tudo diametralmente diferente do
que estamos fazendo agora, nossos governos, nossas indústrias, nosso transporte, nossas vidas. O medo não é
somente em relação a constatação do aquecimento global, o medo que vem antes é
um receio generalizado sobre nossas ações, em todos os âmbitos.
Uma vez reconhecido este medo, outros medos, provavelmente
ligados à urgência da situação, virão. Mas nem mesmo ainda este primeiro medo conseguimos
reconhecer com clareza, pois estamos cegos pelos medos do ego, que saltam à
frente e obstruem a percepção da realidade. O medo de estar errado é um deles.
Todos os líderes internacionais estão plenamente cientes do
comportamento climático e das catástrofes naturais, validadas pela comunidade
científica. Não é novidade, não há motivo para espanto. E o argumento central
dos céticos das mudanças climáticas, que afirma que Sandy poderia ter ocorrido
mesmo em condições normais, é apenas uma construção de linguagem, silogismo
fechado em si mesmo. Um malabarismo racional que qualquer bom advogado é capaz
de fazer com maestria para provar qualquer coisa. Tudo poderia acontecer mesmo
sem o aquecimento global, a terra poderia mover suas placas tectônicas, um
meteoro poderia cair, as espécies poderiam entrar em extinção sem o aquecimento
global e as mudanças climáticas. Sandy poderia ter ocorrido fora de qualquer
cenário com relação ao aquecimento global, mas acontece que ele não ocorreu. Estamos
em uma conjuntura de mudanças climáticas, só por isso o furacão Sandy, uma
ocorrência climática, não poderia ser analisado fora dela. O fenômeno que
vivemos agora, algo extremamente peculiar na história da humanidade, é uma
variável impossível de se isolar na análise do fato.
A bandeira do “senão”, neste caso, é tecida com panos
quentes. Pelo senão, todo o improvável se sustenta e todos os argumentos são
postos em contradição. Há quem compre o argumento e se orgulhe em sair
repetindo por aí os clichês e bordões que inflamam a arena em que se debatem os
prós e contras da grande mídia. Isso é um esporte. Mas as mudanças climáticas são
alheias às nossas distrações, elas prosseguem objetivamente.
Enquanto isso, uma legião de apavorados mal sabe se usa as
mãos para fechar os próprios olhos, ou os olhos dos outros.
Para encerrar, um vídeo sem nenhuma palavra, para conversar em
uma outra linguagem sobre aquilo que ninguém quer falar:
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