tag:blogger.com,1999:blog-26418288664585316462024-03-13T11:50:36.038-07:00Um par de óculospara ver o mundo com outras lentesCaroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.comBlogger45125tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-83533398188357814222013-08-10T06:46:00.004-07:002013-09-16T10:54:48.678-07:00Tempo, o fator sustentável<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwMyHlYIojgLvM_nwZ86t7nUVam4Gr2LkDqOJ0s1yGj1n9i0Jm7X6AtvDbxxYIMYkWQpktTLF_OW450v72w89sbg-CfJuLrItJEzXqT14q8mvBEzqjfCFfhKCfCpY7_lKNVXIk8wVM8z4/s1600/file0001554703029.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="247" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwMyHlYIojgLvM_nwZ86t7nUVam4Gr2LkDqOJ0s1yGj1n9i0Jm7X6AtvDbxxYIMYkWQpktTLF_OW450v72w89sbg-CfJuLrItJEzXqT14q8mvBEzqjfCFfhKCfCpY7_lKNVXIk8wVM8z4/s320/file0001554703029.jpg" width="320" /></a></div>
<i><b>Acertando os ponteiros para um outro modo de vida</b></i><br />
<div class="MsoNormal">
<br />
Na equação da sustentabilidade, a questão do tempo tem sido
deixada de lado sem que se note sua importância na transição para uma sociedade
social e ambientalmente mais equilibrada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br />
A sustentabilidade, em outras palavras, não significa nada
além de reformular processos, estruturas, relações e bens de forma diferente do
que foi feito até então. Seu nome também poderia ser reconhecido como um outro modo
de “fazer”. Fazer melhor do que até então, fazer direito. Refazer. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Só que para refazer processos e
estruturas é necessário um tempo-recurso que, via de regra, não temos sobrando.
“Só se eu tivesse todo tempo do mundo faria isso”, quem nunca ouviu?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
O tempo do fazer direito as
coisas, como se deve ou se deveria (fazer o melhor possível, ainda que não o
melhor), inexiste em uma agenda de praticidade e correria. Geramos mais lixo
porque não temos tempo de cozinhar e comer o que compramos. Compramos mais
porque não temos o tempo de fazer em casa, então compramos feito. Compramos o novo,
compramos algo rapidinho porque precisávamos na hora e não tivemos tempo de
pensar em uma alternativa (procurar melhor, pedir emprestado, consertar,
repensar a necessidade).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Trocamos tempo por coisas
compradas e pagas, o tempo todo.<br />
<br />
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Quanto dinheiro custa o
tempo?<br /><br /><o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E assim a sustentabilidade se vê
sem pernas para acontecer: “Não tenho tempo de ir a pé até o trabalho”. “Não
tenho tempo de fazer comida em casa, por isso compro pronta”, “Não tenho tempo
de estar com meus filhos, então compro coisas que possam entretê-los”, “Não
tenho tempo de planejar minhas compras, então compro o primeiro item que
encontrar”, “Não tenho tempo de cuidar da reciclagem”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
À primeira vista, o fator que
sempre nos parece impedir com mais força a realização de ações sustentáveis é o
dinheiro. Sem dinheiro nada feito. Mas só parece, pois o dinheiro é somente um
recurso que precisa de um <b>espaço de
tempo disponível e adequado</b> para ser utilizado da melhor maneira possível. Alguém
sem dinheiro e sem tempo é infinitamente mais pobre que alguém sem dinheiro,
mas com tempo para criar, dosar e pensar em alternativas, procurar promoções,
fazer em casa, fazer diferente, reinventar. Com tempo disponível, pode se fazer
bom uso mesmo de uma quantia modesta de dinheiro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
O inverso também é verdadeiro: sem
tempo, todo custo sobe (custo de urgência) e é necessário muito dinheiro para
substituir ou comprar tempo escasso. Com tempo podemos fazer e cuidar de uma
horta, ter um estilo de vida mais saudável, nutrir relações cooperativas de
troca, como conhecer o vizinho que um dia poderá tomar conta dos filhos em uma
necessidade, emprestar uma furadeira. Falta nos tempo para planejar melhor o
dia-dia e as soluções que exigiriam dinheiro, mas podem dar ótimos resultados
com mais criatividade. A sustentabilidade não é outra coisa senão criativa, mas
para que qualquer criação surja, o devido tempo é exigido, senão sai mal feito.
E se sustentabilidade tem a ver com fazer direito e fazer melhor, pois do mal
feito já temos muito, a ausência de tempo aparece aí como um forte impeditivo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Tempo é um capital, como o
dinheiro, pode impedir a realização de ações e atitudes mais sustentáveis pela
ausência de sua disponibilidade enquanto recurso. Voltemos ao exemplo da horta,
o custo de sua criação e manutenção não é tão caro quanto o tempo disponível
para cuidar dela. Ter uma horta e ainda se beneficiar de seus alimentos é
barato. Caríssimo está encontrar ou viabilizar o tempo necessário para o seu
cuidado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Então é melhor parar o
relógio?<br /><br /><o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas que tipo de tempo é este que
falta a nós e à sustentabilidade? Este tempo livre, é um tempo vazio? Inerte ou
mágico, que aparecerá de lampejo no meio de uma tarde qualquer?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
O horário na agenda entre uma
coisa e outra que nos permitiria simplesmente dar mais atenção à vida e a nós
mesmos, nossa família, nossa casa, nosso corpo, sempre pode ser útil. O tempo vazio
filosófico de algumas culturas orientais ou o ócio (o tempo vazio que gera tédio, alienação, anulação da percepção e dispersão criativa) neste
contexto, de uso equilibrado e saudável, ganha outra acepção. É um tempo ativo-meditativo,
utilizado com consciência e atenção, mesmo para descanso da mente ou em uma
atividade, é um tempo que gera frutos, ou seja, um tempo criador de algo. Quem
nunca se deparou com a estranha sensação de desencontro ao ter um dia livre no
meio da semana? Dosamos mal e não sabemos o que fazer com nosso tempo livre
criativo, que não é vazio, é tempo livre útil, para ação, e pode ser
aproveitado nesse sentido.<br />
<br />
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A falta de tempo em
todo lugar<br /><br /><o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No plano individual é possível
observar reflexos ainda mais nítidos da falta de tempo. A insensatez que vem do
“falei sem pensar, sem refletir”, o descuido nas relações que vem do “não
consegui dar a devida atenção” o torpor que vem de uma “vida corrida, um ritmo
alucinante”, a alienação do “não percebi, não tive tempo para isso”, a falta de
ação pelo “não tenho tempo”. A nostalgia do “tempo perdido”. O desequilíbrio e
doença de um corpo exausto e sobrecarregado do “não parei a semana inteira”. Um
corpo que <b>é</b> um relógio e possui seus<b> ritmos</b> e não passa ileso por uma vida
sem tempo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
A sustentabilidade, sinônimo de
equilíbrio, será a primeira a colapsar onde houver ausência deste precioso
recurso. Ela não será vista, nem notada, nem valorizada (e por isso, não monetizada)
ou sequer reconhecida por pessoas que sempre tem algo mais importante para
fazer. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Sustentabilidade é um bem a longo
prazo, ela não faz sentido no imediatismo e num tempo relegado a contrações
mínimas e esparsas, pois requer <b>continuidade
e constância</b>, ritmo. Ela é sabia, perene, capaz de se <b>sustentar </b>no tempo, por muito tempo, por isso, se diz <b>sustentável</b>.<br />
<br />
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ter tempo é criar
condições<br /><br /><o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nada adianta o recurso monetário,
por exemplo, sem as condições adequadas para sua utilização, construídas,
amadurecidas e bem elaboradas no tempo, resultando no melhor aproveitamento
possível do dinheiro. Quer um exemplo? Na Educação de um país como o nosso, o
já escasso recurso financeiro passa mal absorvido por estruturas e processos
que carecem de investimento de tempo para serem melhorados, refeitos, trabalhados,
polidos, lapidados.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Mas lapidação é uma palavra que
soa quase como uma ofensa em uma sociedade pobre de tempo, é preciosismo
demais. Luxo lapidar quando somente a pedra bruta já faz tanta falta. “Não
podemos ser sustentáveis antes de fazer todas as outras coisas mais importantes
primeiro, como acabar com a pobreza e a fome, depois veremos o que fazer”. Me
pergunto, diante desse estranho discurso já gasto: a pobreza e fome não tem
tudo a ver com a sustentabilidade? Porque não fazer o urgente, já de forma
sustentável?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><br />E sobre a necessidade de lapidação, sustentabilidade é fazer o que, senão lapidar</b>? Azeitar e polir as
velhas coisas, para que possam de fato ter melhor valor do que anteriormente?
Mais uma pedra bruta lançada à engrenagem, custará mais dinheiro e mais tempo no
futuro, e assim iremos...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Respiro, pausa, reflexão,
análise, planejamento, avaliação. São todas qualidades urgentes em nossa vida,
todas pertencentes à esfera da disponibilidade de tempo. E se sustentabilidade
é também uma <b>reorganização de valores</b>,
isso só pode resultar em uma <b>reorganização
de prioridades</b>. Logo, em <b>uma
reorganização do tempo</b>. A sustentabilidade reorganiza o próprio tempo a
partir de seus valores intrínsecos. E o que acontece quando tentamos ser
sustentáveis usando um reloginho de medidas insustentáveis, regido por valores
outros? No mínimo alguns percalços, atrasos e desencontros.<o:p></o:p></div>
Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-46646157831515769832013-06-20T17:32:00.002-07:002013-08-15T13:53:30.191-07:00O Mercador<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgiJC91efXrmp0l8XEFwRp-y2-XkJKlG-h45x_7_4-Vr3CdgogZ6JSU0hrVs8KyKPBV89SefKN0c6QX5IfvqwqyLgi9C6Txn1xMuQh6MZAlElLf1Vz5itrSTRIHR10qZDuekp6SDA2ZCjg/s1600/file000906968477.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="224" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgiJC91efXrmp0l8XEFwRp-y2-XkJKlG-h45x_7_4-Vr3CdgogZ6JSU0hrVs8KyKPBV89SefKN0c6QX5IfvqwqyLgi9C6Txn1xMuQh6MZAlElLf1Vz5itrSTRIHR10qZDuekp6SDA2ZCjg/s320/file000906968477.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Jamil
empurrou a porta emperrada da loja, que reagiu metálica, rasgando o chão de
azulejo. O dia estava quente e não demoraria a surgir uma velha sensação que se
anunciava.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Percorreu os
tapetes empilhados com as pálpebras semicerradas, tique seu e estranho traço
genealógico. A luz agora adentrava a pequena esquina da Ladeira
Constituição. Avivava as cores </span></span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 17.77777862548828px;">fortes e destacadas </span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 115%;">que abrilhantavam os arabescos dos fios
sintéticos dos tapetes à venda. Folhagens em azul anil
apareciam na tapeçaria logo abaixo do papel que anunciava a quantia modesta a
ser oferecida pelo produto. Podia-se fazer em três, até quatro vezes, pensava ele.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Devia
negociar, como fazia seu tio quando ainda trabalhava na loja. Mas sem sua
presença, algo que lhe escapava fazia-se ausente. Não sabia o que,
mas sua falta retirava algo dali, e em seu íntimo, quando algum cliente antigo
adentrava a loja, desejoso do sorriso conhecido de seu tio, Jamil sentia-se menor.
Via-se contrair por dentro, escondendo o olhar nos cantos abarrotados de
mercadoria.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O calor
aumentava e a balbúrdia que tomava conta da 25 de Março lhe lembrava onde
estava. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">As
funcionárias haviam chegado enquanto ele esquadrinhava os dez metros quadrados repletos
de pilhas de tapetes e almofadas sintéticas que se alternavam, em displicente
disposição. Ergueu um tapete para fora da porta, e enquanto batia a poeira que
se levantava dos fios, lembrava do deserto. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Havia visto
um filme na noite anterior, e a lembrança de cenas do deserto, deslocadas,
tomavam sem aviso o rumo de seus pensamentos. Era um filme de guerrilha, mas o
deserto lhe trazia paz, e calor.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O calor que
tomava conta da rua, vinha do sol, do asfalto e das pessoas em movimento. O calor
dos desertos era diferente. Faz os homens se sentirem pequenos, parte de um
universo maior, de areia e sombra, no qual a pele acolhia a brisa
carinhosamente, como um presente. O deserto tem um jeito estranho de abraçar...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A poeira do
tapete flutuava no ar. Aqui as pessoas fugiam do calor, e se pudessem,
apagariam o sol do céu... O que estava dizendo? Nunca havia estado no deserto...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Voltou a si.
E pensou consigo mesmo, não havia gostado daquele filme afinal. Meio dia já se
esgotava, podia ter vendido mais, se apenas tentasse negociar... mas não, não
era seu tio. E gostava dele, mas não era sua a inata habilidade em vender três
ou até quatro tapetes de uma vez só. Pensou nas palmeiras avistadas ao longe
por cima de um traço no horizonte arenoso, era como se seu peito fosse
soltar-se diante de tanta beleza e esperança. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Entram
alguns clientes. Jamil atende, prestativo e calmo. O calor agora parecia chegar
ao seu ponto máximo enquanto os ventiladores de teto zuniam monotonamente, lembrando
o canto ecoante de tribos que nunca vira. Tribos enterradas na areia fria como
formigas geometricamente pregadas em volta do fogo, em terras que nunca
visitara.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Pisa no
degrau da porta uma mulher de cabelos castanhos, aparenta cerca de quarenta
anos. Deve estar procurando um tapete para sua casa, pensa Jamil. Ela abre um
sorriso franco e pergunta o preço dos tapetes encostados à beira da calçada.
Traz em volta do pescoço um lenço, graciosamente disposto sobre o colo e que
lhe conferia algo de diferente. A mulher examina os tapetes. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">É preciso sentir
a amplidão do deserto para aprender a confiar nos passos que levam ao futuro. É preciso saber o que há além do que não se pode distinguir ao longe,
na linha trêmula do horizonte que aferventa o ar... Jamil dissimula os pensamentos
longínquos e fora de hora e lugar. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Observa os
movimentos da cliente, sua maneira de portar as mãos. O movimento destas mãos,
não de outras. A lentidão do vento morno, resto de tempestade de areia, silvando entre dedos, a pele das
palmas finamente cravadas pelas linhas do destino.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Então ela
lhe diz com ternura no rosto e uma leve risada enquanto percorre um tapete com
minuciosa atenção. “Este aqui é uma beleza, mas não deve ter vindo do deserto para
chegar até aqui, não é mesmo?”<o:p></o:p></span></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; line-height: 115%;">Não foi mais
possível conter-lhe a sensação da brisa que subia naquele momento e refrescava,
revolvendo com delicadeza a duna-cidade ao entardecer. A brisa não era quente,
nem fria, elevava-se volátil e perfumada pelo cheiro de uma caravana distante, emoldurada
pelo tecido uniforme feito de cristais de areia fina, que se estendiam até o infinito...</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></span>
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: xx-small;"><i>Imagem livre - www.morguefile.com</i></span></span></div>
Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-20918980854728494792013-04-20T17:42:00.002-07:002013-04-23T04:33:32.454-07:00A cultura das coisas<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjilDhSLI58WrfYqqNXwStClVjuQLYbdgtfXuM5nJqFSaI6oyHBAuZdJQEEqhYEE_xPeexyqrbDfjsQjLfWbYPEUJHkij9JdNlbs9amOvenVuMksurh8uUKmH_KikWMQZNdVwNotRfh-h4/s1600/file000250130279.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="221" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjilDhSLI58WrfYqqNXwStClVjuQLYbdgtfXuM5nJqFSaI6oyHBAuZdJQEEqhYEE_xPeexyqrbDfjsQjLfWbYPEUJHkij9JdNlbs9amOvenVuMksurh8uUKmH_KikWMQZNdVwNotRfh-h4/s320/file000250130279.jpg" width="320" /></a></div>
<b style="background-color: white; color: #222222; font-family: arial, sans-serif;"><i>"Os processos, a engenharia e a técnica não são o problema. O problema são as pessoas, que se unem para falar sobre coisas. Se deitam pensando em coisas. Se refastelam na falsa sensação de êxito de uma sociedade cujos processos materiais estão em pleno funcionamento. O homem se afastou do homem para buscar coisas, para ler sobre coisas, para trabalhar pelas coisas, para amar através das coisas".</i></b><br />
<div class="MsoNormal" style="background-color: white;">
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;"><b><i><br /></i></b></span>
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;"><b><i><br /></i></b></span>
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;">Processos, eficiência, capacidade, inovação. </span><span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;">Atributos tecnológicos passam às relações humanas com a mesma facilidade que Bauman anunciara sobre as relações de consumo e o território das relações pessoais –parco limite. </span><br />
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;"><br /></span>
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;">Os olhos crescem aos gadgets, traquitanas, apps. É mais fácil falar sobre configurações do que sobre sentimentos. As pessoas se unem, juntas se divertem, para falar sobre configurações.</span><br />
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;"><br /></span>
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;">O tempo que desponta faz da técnica a expressão de uma cultura. Mas a técnica é tão antiga quanto aquele pessimismo da tecnologia-robótica e do homem virtualizado, que não se realizou. Não se realizou como imaginávamos, pois nem nisso somos bons –imaginação. O homem virtualizado não é filosófico, não existe em um espaço de bytes matemáticos de estranhas convulsões acadêmicas. Ele é um nó, um homem pasmo, um homem bobo que se diverte e rí das engrenagens que o rodeiam mas esquece, quase que confortavelmente de si mesmo. Sua preocupação está nas coisas que podem atrair sua atenção, um novo método, uma nova invenção. Um jeito novo de empilhar garrafas e transitar dados, tudo que não é vivo lhe é caro e próximo.</span><br />
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;"><br /></span>
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;">Os processos, a engenharia e a técnica fizeram uma civilização, são a mimésis sempre imperfeita de uma natureza simples. Mas os processos, a engenharia e a técnica não são o problema. O problema são as pessoas, que se unem para falar sobre coisas. Se deitam pensando em coisas. Se refastelam na falsa sensação de êxito de uma sociedade cujos processos materiais estão em pleno funcionamento. O homem se afastou do homem para buscar coisas, para ler sobre coisas, para trabalhar pelas coisas, para amar através das coisas que o ser amado ostenta e representa. </span><span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;">A excitação sobre o novo aparato é como um sonrisal cadente, que espuma e brinda a novidade de tudo aquilo que pode ser construído, dominado, manipulado. Das sensações vivas, das impressões profundas, pouco-se sabe. </span><span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;">A mídia e as conversas passam pelas coisas com incrível facilidade e nos enamoramos delas. Se as possuímos, triunfo.</span><br />
<br />
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;">Uma vez o homem se afastou da religião corrompida para encontrar o sentido em si mesmo, nas humanidades, no esclarecimento, na ideia iluminada em tempo de dogma-breu. Mas o homem retornado ao homem não pode evitar a barbárie. Certo é que o homem da religião institucionalizada também promovia a barbárie.</span><br />
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;"><br /></span>
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;">Pergunte ao homem sobre coisas, ela é sua nova crença, esculpida no panteão da participação no mercado. Participar do mercado é participar da própria vida, centro da estrutura de significado contemporâneo, valor maior que orienta o modo como os jornalistas e as pessoa ditas interessantes falam. Sua crença não é mais capaz de esconder nas palavras. </span><br />
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;"><br /></span>
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;">Agora o homem se volta para as coisas, sua ordem é das empresas, dos produtos, sua linha guia é produzir algo para vender e se manter vivo. Só que a vida muitas vezes se esvai nestes entre-momentos de compra, venda e produção acelerada. Produção sem vontade nem coração. Para constar, a idade e a cultura das coisas também não pode evitar a barbárie.</span><br />
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;">Parece que o sentido, a essência do cotidiano se perdeu em um momento específico ao longo da história. Para não adentrar neste território dizemos que a barbárie e a falta de sentido são a essência do homem. Mas o</span><span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;"> homem lobo do homem é uma grande desculpa que nos contaram, para justificar todos os nossos erros. Afinal, não há nada a melhorar em homem que é lobo do homem, por natureza corrompido. </span><br />
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;"><br /></span>
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;">Como a sentença de uma igreja secular, as epístolas intelectuais guiam toda uma sociedade cada vez mais para fora de si mesma e em direção às luzes das coisas construídas e perecíveis.</span><br />
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;"><br /></span>
<span style="color: #222222; font-family: arial, sans-serif;">Voltemos ao instante em que se deu a ruptura.</span></div>
Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-22773567033059504922013-02-17T06:29:00.003-08:002013-02-17T09:06:15.411-08:00O futuro dos filhos dos outros<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjpprvy-eiSEnNtCkIZrtMvPw4S508xFNNBVncKvOG0v2IoKzSfOE4PVht7HiKKMHk2tgtp5IKXe0nEKO6XAuM3NlQ1Uj2Bt-vMk05ej7ha28gSDdGM1BVcV4OpTolDPg_dyGSOuJuknWU/s1600/file0001093903568.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjpprvy-eiSEnNtCkIZrtMvPw4S508xFNNBVncKvOG0v2IoKzSfOE4PVht7HiKKMHk2tgtp5IKXe0nEKO6XAuM3NlQ1Uj2Bt-vMk05ej7ha28gSDdGM1BVcV4OpTolDPg_dyGSOuJuknWU/s320/file0001093903568.jpg" width="320" /></a></div>
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18px;"><b><i>"Enquanto a sustentabilidade for tratada como o supérfluo e nossas próprias palavras não refletirem essa consciência viva e real, continuaremos a pensar nela somente como algo importante para o futuro de nossos filhos, enquanto de soslaio, um leão amazônico nos espreita, mais perto do que nunca."</i></b></span><br />
<br />
Comunicar para a sustentabilidade não é uma tarefa
fácil. <br />
<br />
Enquanto alguns não aguentam mais ouvir a palavra sustentabilidade,
que prolifera em todos os lugares, produtos e discursos, outros ainda
ficam receosos diante do conceito, quando não o ignoram.
Uma outra boa parte, não raro, relaciona sem muito jeito sustentabilidade à ecologia, trazendo ao imaginário imagens como árvores, araras, um leão rugindo ameaçadoramente e a floresta Amazônica. Um leão amazônico.<br />
<br />
O problema esta no fato de que os leões estão muito longe e nós, e a
Amazônia ainda é, para muitos um Eldorado de lendas, estilizado como um
souvenir.<br />
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Na visão mais comum do conceito de
sustentabilidade para o grande público, as plantas do jardim, a Amazônia, a
vida selvagem e os leões, parecem estar mais próximos da palavra
sustentabilidade do que as enchentes nas ruas, a poluição dos automóveis, o lixo
doméstico e as relações de trabalho. Ninguém vê sustentabilidade nas filas dos hospitais,
nos morros das favelas, nos pássaros vendidos em gaiolas. Ninguém vê nas
calçadas cimentadas e impermeáveis, no mandato dos governantes, no escapamento do carro, nas notícias do rádio que anunciam
com alarme que o Brasil não está crescendo quanto deveria. Poucos vêem a
sustentabilidade ali, exatamente onde ela está, e mais próxima impossível.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Diante da tarefa de comunicar para a sustentabilidade, o pobre leão amazônico
e as imagens e conceitos populares que temos do conceito de sustentabilidade não dão conta
do recado, principalmente em tempos de crise socioambiental.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não culpo ninguém, a sustentabilidade é mesmo uma
palavra recente, foi citada pela primeira vez no século dezoito, mas passou a
ser usada da forma como é hoje só no ano em que eu nasci. A sustentabilidade tem a idade do universo, mas a palavra tem praticamente a minha idade. O problema é que ela está muito mais próxima de mim e
de todos, do que imaginamos. Ela anda na nossa cola, qualquer dia olharemos
para trás e levaremos um susto: ela sempre esteve lá o tempo todo, e
seu rastro é o nosso também.<br />
<br />
É por isso que temos que comunicar para a sustentabilidade, e fazer isso melhor
do que temos feito até agora. O imaginário popular se apropria da ideia socioambiental ainda com muita distância, sem saber que a sustentabilidade está para
as pessoas e para natureza em igual medida. Canso de ver vozes de opinião repetindo
que estão pensando nas pessoas, e depois na sustentabilidade, como se ela fosse
perfumaria, jardinagem, item supérfluo na cultura organizacional e urbana, por
exemplo. Nas ideias, no discurso comum, a sustentabilidade ainda está relegada
aos quintais e parques, ela não é urgente, e sim acessório. E é justamente
para essas vozes (e para os que as ouvem) que temos que comunicar em
dobro sobre a sustentabilidade, pois divulgam uma ideia dicotômica e errada,
que reforça a separação entre homem e natureza fundida no antigo ideário
do progresso megalomaníaco e faminto.<br />
<br />
É difícil demonstrar como a sustentabilidade está junto de nós, por isso
precisamos trazê-la mais para perto. Extrapolar as áreas verdes e colocar ela
em nossa mesa, em nosso consumo. Temos que dividir nossa cultura com ela, nosso
desejos e angústias mais profundas, pois a sustentabilidade está lá também, nas
dobras de nosso comportamento.<br />
<br />
Mas será que estamos fazendo isso do jeito certo?<br />
<br />
Em uma época de tantas contradições, duvido sempre dos discursos
demasiado fáceis, mascados como chiclete, gastos, usados e com pouco poder de
transformação. As palavras tem que movimentar, mover algo. E se necessário,
causar o desconforto característico de uma colisão, quando se deparam
com um ambiente por demais rígido e paralisado. Nem que seja o desconforto
de um grão de areia dentro de uma ostra, as palavras devem construir e
transformar, essa é sua função.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Da boca para fora</b></div>
<div class="MsoNormal">
Faça um teste: saia às ruas e pergunte às pessoas por que a
sustentabilidade é importante. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Duvido não encontrar uma menção sequer ao "futuro dos nossos filhos". O futuro dos nosso filhos está
sempre lá, nas frases das multidões, indefinido, pairando na esfera etérea de
um temor misturado a um tempo nunca presente e nebuloso. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Repare, no entanto, que algumas ideias podem se
esconder nessa fala singular com terrível evidência: que só conseguimos pensar
no planeta por aquilo que tange ao nosso (des)conforto mais pessoal e próximo.
A imagem mental e emocional que nos mobiliza para o bem da humanidade e do meio
ambiente é a de nossos bebês, e não a da própria natureza e população em risco. Não
há algo de estranho ou ingênuo nisso?<br />
<br />
Também neste pensamento, sem saber
replicamos uma velha mentalidade utilitarista da natureza: temos que cuidar da
natureza para nossos filhos usarem no futuro, de modo passivo,
cuidar para alguém poder usar com tranquilidade. Poucos falam "temos que cuidar para nossos filhos
continuarem cuidando" ou "temos que ensinar nossos filhos a
cuidarem quando chegar a vez deles de cuidarem". Algo muito sutil, mas
perceptível.<br />
<br />
Outro ponto fundamental da questão é que sim, a sustentabilidade é
sem dúvida algo também para o futuro, para as próximas gerações,
representada por nossos filhos. Mas sua importância passa antes e
urgentemente pelo agora. Nesta busca, desafio encontrar alguém que admita que
a sustentabilidade é algo importante para o presente, para os pais dos nossos
filhos. Ao falar da sustentabilidade como um problema que deve ser resolvido por
causa de uma situação futura, podemos sem querer, afirmar que a questão não é tão urgente ou que quase não
existe no presente. Por trás da sustentabilidade para nossos filhos, pode se
esconder a crença fácil de que hoje está tudo bem, o problema mesmo só virá no
futuro, quando o tempo de nossos filhos (e entenda-se aqui, netos, sobrinhos e etc.) chegar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Da boca para dentro</b><br />
Façamos então um exercício diferente, saia às ruas, mas não pergunte
às pessoas sobre sustentabilidade. Pergunte sobre o futuro de
seus filhos, o que as pessoas estão fazendo hoje,
praticamente, para garantir o futuro de seus filhos.<br />
<br />
Espante-se quando a maioria das respostas caminhar rumo a um modo de proteção e
sobrevivência individual, frente às adversidades já esperadas. (Espere, mas não
estava tudo bem no presente?). Proteções e garantias que já se anunciam para o futuro dos filhos: a condição da educação diferenciada, a garantia
ao sistema de saúde particular, o acesso aos bens de consumo de
ponta, às belezas naturais intocadas, disputadas em algum paraíso
internacional. Itens praticamente descolados da previsão de um futuro sustentável,
qualidade de vida e bem estar coletivo, que esperávamos para o mundo
em que nossos filhos iriam viver. Mas, peraí, o futuro dos nossos filhos não tinha
tudo a ver com sustentabilidade quando perguntávamos sobre a importância da mesma?<br />
<br />
Quando perguntamos sobre o futuro dos nossos filhos, nos vemos já
esperando e preparando-os para um futuro completamente insustentável. Será que
nisso não pressentimos o desfecho do atual de um presente já comprometido? Será
que no fundo estamos agindo no presente para a sustentabilidade do futuro dos filhos ou nos
preparando para a insustentabilidade, de forma paliativa, resignada, privada e
egoísta?<br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Olhe bem: a primeira pergunta, sobre a importância da sustentabilidade, evoca imagens de um belo planeta esperando para ser usado por nossos filhos em um tempo muito distante, enquanto que a pergunta concreta sobre a relação do presente com o futuro da próxima geração traz a tona preocupações bem mais sérias e imagens ameaçadoras. A contradição examinada nestas falas nos mostra que nem
mesmo sabemos no que acreditamos, e a distância entre os discursos e crenças se
confundem em um estranho jogo de esperança, medo, autoengano e ilusão. Tudo isso salpicado de frases clichês e porções midiáticas de fantasia sobre a
realidade.</div>
<div class="MsoNormal">
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br />
<!--[endif]--><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>O leão amazônico
espera calmamente</b> <br />
Desconfio que ninguém quer estar aqui quando o tempo da
sustentabilidade (aquele do futuro dos nossos filhos)
chegar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Os pais se preparam para um mundo mais desigual, mais
insustentável, carente e com disputa de recursos naturais: terra, água, comida
e energia elétrica para seus filhos. Desconfio ousadamente, (admito), que o futuro econômico,
social e cultural que os pais preparam e no qual depositam sua tranquilidade é na
verdade um seguro contra as coisas que estão deixando de fazer hoje. Um seguro para
protegê-los dos problemas de insustentabilidade que já temos hoje. Mas poucos conseguem imaginar que a busca da sustentabilidade tem tudo a ver com estes mesmos problemas que querem evitar para os filhos, dos quais
buscam protegê-los no futuro. Parece óbvio, mas não é.<br />
<br />
Por outro lado, se nosso agora refletisse a ação para uma
melhora mais sustentável, talvez estivéssemos mais tranquilos e despreocupados
em relação ao futuro, mas não é assim que o parece.<br />
<br />
Enquanto a sustentabilidade for tratada como o supérfluo e nossas
próprias palavras não refletirem essa consciência viva e real,
continuaremos a pensar nela somente como algo importante para o futuro de
nossos filhos, enquanto de soslaio, um leão amazônico nos
espreita, mais perto do que nunca. O leão amazônico é a própria fantasia da natureza que dizemos proteger, sem conhecer a fundo sua real dimensão, suas
interações e até mesmo sua veracidade. O leão amazônico é a imagem mental que nos levará diretamente para
sua cova, confrontando os clichês e slogans publicitários sobre sustentabilidade com a gravidade do momento e da realidade. Por enquanto, ele ruge.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b>O futuro dos filhos
de todo mundo<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
É
por isso que ao comunicar para a sustentabilidade, temos que fazer um revolução em
nossa própria maneira de pensar, sentir, avaliar, comunicar e construir ideias e conceitos. Temos que estar mais acordados, ao menos para perceber os absurdos que saem de nossas próprias bocas, isso é tarefa nossa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Penso que talvez fosse mais sensato relacionar a
sustentabilidade, não só com o futuro, mas principalmente com o presente,
e não só com nossos filhos, mas com os filhos dos outros também. Com a coletividade, de modo mais altruísta, humano e realista e atual. Mesmo
diante do estranhamento, amar os filhos dos outros como
amamos os nossos, talvez converse melhor com a ideia de sustentabilidade do que
temos tanto falado e feito até agora. Ser sustentável só por causa do futuro dos nossos filhos, no fundo no fundo, pode não ser tão sustentável assim. Se há um bom motivo pelo qual a
sustentabilidade, na profundidade de seu conceito, é importante, é por causa do presente dos filhos dos
outros.<br />
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Comunicar deve mover algo. Façamos outras perguntas,
cheguemos a outras respostas, da superficialidade na fala e na reflexão não passaremos um
passo em direção à sustentabilidade.<o:p></o:p><br />
<br />
Por Caroline Derschner Videira.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i><span style="font-size: x-small;">Imagem livre - www.morguefile.com</span></i></div>
Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-52950103995742624612012-11-04T09:03:00.000-08:002012-11-05T03:44:42.294-08:00Sandy e o medo das mudanças climáticas<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEglc-OM6bKKDYPPD-1JTvLDrVyT695HkCjXFqzGAarmgMARb0EvUDlUu0gcnM_8f-7SY64KfsrqzKnkQz5IT35lF8HjyZC-LnJjjNzYirSN5qFrDmsS2Gw6e-90LOsddnMP7OFGib7jz1U/s1600/file0001916051058.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEglc-OM6bKKDYPPD-1JTvLDrVyT695HkCjXFqzGAarmgMARb0EvUDlUu0gcnM_8f-7SY64KfsrqzKnkQz5IT35lF8HjyZC-LnJjjNzYirSN5qFrDmsS2Gw6e-90LOsddnMP7OFGib7jz1U/s320/file0001916051058.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
O furacão Sandy passou pelos Estados Unidos, mas deixou parte
de seu rastro em toda a comunidade global, que, perplexa, assiste a fragilidade
dos sistemas e estruturas nas quais sempre depositou grande parte de sua
tranquilidade e segurança.<br />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br />
<!--[endif]--><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Em uma sociedade desacostumada com a ausência de controle
sobre quase todas as circunstâncias, a passagem do furacão desperta um
sentimento ímpar, que destoa da correria cotidiana como uma grande pausa, um
silêncio e uma incerteza íntima, que incomoda até mesmo as consciências mais
endurecidas.<br />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br />
<!--[endif]--><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Surpreende, no entanto, que as vozes que se propagam nos meios
de informação, principalmente aqueles de grande escala, reagiram com excessiva
cautela à associação do fenômeno com as mudanças climáticas. Surpreende que a
negativa a esta consideração, tenha tomado quase tanto espaço quanto a
discussão da relação entre Sandy e o agravamento das mudanças climáticas. É
possível tentar esconder o tema do aquecimento global das pautas e manchetes,
mas não é possível esconder o medo e assombro que se revela nestas próprias
tentativas. As pessoas têm medo. <br />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br />
<!--[endif]--><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Medo das mudanças climáticas? Do imprevisível na natureza?
Da sujeição a um sistema do qual não temos controle? Creio que sim, mas não
completamente. O primeiro medo, que desatado se revela aos olhos, é de outra
natureza.<br />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br />
<!--[endif]--><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O primeiro medo vem lá do fundo, da sala escondida no
edifício do espírito de nosso tempo, indicando que “não temos razão”. Pois se
ficar comprovado, que sim, o aquecimento global e as mudanças climáticas estão
em curso, toda uma legião, principalmente de lideranças, verá estampada em suas
faces, a vergonha indelével de ter errado e persistido no erro.<br />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br />
<!--[endif]--><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Tanto os formadores de opinião, quanto parte da opinião
pública, temem, pavorosamente, terem feito tudo errado, o tempo todo.<br />
<br />
É ingenuidade atribuir aos grupos petrolíferos, por exemplo, o topo de uma
cadeia de responsabilidade. Está tudo errado, estamos todos errados. Pois as
mudanças climáticas não provêm de fonte única, elas são resultado de uma
intrincada rede de efeitos em desequilíbrio, de múltiplas contribuições.<br />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br />
<!--[endif]--><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O medo que vem primeiro, mesmo inconsciente, parece vir do
reconhecimento de que deveríamos estar fazendo tudo diametralmente diferente do
que estamos fazendo agora, nossos governos, nossas indústrias, nosso transporte, nossas vidas. O medo não é
somente em relação a constatação do aquecimento global, o medo que vem antes é
um receio generalizado sobre nossas ações, em todos os âmbitos. <br />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br />
<!--[endif]--><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Uma vez reconhecido este medo, outros medos, provavelmente
ligados à urgência da situação, virão. Mas nem mesmo ainda este primeiro medo conseguimos
reconhecer com clareza, pois estamos cegos pelos medos do ego, que saltam à
frente e obstruem a percepção da realidade. O medo de estar errado é um deles.
<br />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br />
<!--[endif]--><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Todos os líderes internacionais estão plenamente cientes do
comportamento climático e das catástrofes naturais, validadas pela comunidade
científica. Não é novidade, não há motivo para espanto. E o argumento central
dos céticos das mudanças climáticas, que afirma que Sandy poderia ter ocorrido
mesmo em condições normais, é apenas uma construção de linguagem, silogismo
fechado em si mesmo. Um malabarismo racional que qualquer bom advogado é capaz
de fazer com maestria para provar qualquer coisa. Tudo poderia acontecer mesmo
sem o aquecimento global, a terra poderia mover suas placas tectônicas, um
meteoro poderia cair, as espécies poderiam entrar em extinção sem o aquecimento
global e as mudanças climáticas. Sandy poderia ter ocorrido fora de qualquer
cenário com relação ao aquecimento global, mas acontece que ele não ocorreu. Estamos
em uma conjuntura de mudanças climáticas, só por isso o furacão Sandy, uma
ocorrência climática, não poderia ser analisado fora dela. O fenômeno que
vivemos agora, algo extremamente peculiar na história da humanidade, é uma
variável impossível de se isolar na análise do fato. <br />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br />
<!--[endif]--><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A bandeira do “senão”, neste caso, é tecida com panos
quentes. Pelo senão, todo o improvável se sustenta e todos os argumentos são
postos em contradição. Há quem compre o argumento e se orgulhe em sair
repetindo por aí os clichês e bordões que inflamam a arena em que se debatem os
prós e contras da grande mídia. Isso é um esporte. Mas as mudanças climáticas são
alheias às nossas distrações, elas prosseguem objetivamente.<br />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br />
<!--[endif]--><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Enquanto isso, uma legião de apavorados mal sabe se usa as
mãos para fechar os próprios olhos, ou os olhos dos outros.<br />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br />
<!--[endif]--><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Para encerrar, um vídeo sem nenhuma palavra, para conversar em
uma outra linguagem sobre aquilo que ninguém quer falar:<br />
<br />
<br /></div>
<iframe allowfullscreen="allowfullscreen" frameborder="0" height="315" src="http://www.youtube.com/embed/MrqqD_Tsy4Q" width="420"></iframe><br />
<br />
<i style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: x-small; line-height: 14px;">Imagem livre - www.morguefile.com</i>Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-64195825546453322812012-10-04T19:03:00.002-07:002012-10-04T19:52:47.735-07:00Cinquenta tons de Carminha<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcY3FCF4FXVYkF4vrnS4Vl_646SRwkPMnpPAoB2g0c8hH_kOgC1kJqWjymxuSWUyAA4GqK6UXHBdzXe5MoV6JCcL_ubfxR3gc6ZV9YCleoQk8T_qj0hy5boG20vT9LFOmMSwd9EoghF2c/s1600/file000449802250.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="237" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcY3FCF4FXVYkF4vrnS4Vl_646SRwkPMnpPAoB2g0c8hH_kOgC1kJqWjymxuSWUyAA4GqK6UXHBdzXe5MoV6JCcL_ubfxR3gc6ZV9YCleoQk8T_qj0hy5boG20vT9LFOmMSwd9EoghF2c/s320/file000449802250.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
</div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit; line-height: 115%;"><i>O que se
fala. Por que se fala. Por que se ouve.</i><o:p></o:p></span></div>
<span style="font-family: inherit;"><br /><span style="line-height: 115%;">Em um
passado, sim, muito distante, o silêncio ainda era uma qualidade. Símbolo de
honradez, honestidade e exatidão, falar pouco era a medida da sabedoria. Em
sociedades que falavam tão e somente o necessário e útil havia pouco espaço
para a mentira, a fofoca e a corrupção. Hoje o silêncio, quando não incômodo,
soa estranho. Falar sobre outra coisa, que não o que se fala, parece fora de
propósito. E não se falar sobre o que se fala em todo lugar —melhor nem falar
sobre isso.</span></span><br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit; line-height: 115%;">Não é a toa
que em alguns mosteiros e retiros existe o voto de silêncio, como um esquisito remédio
a ser tomado de vez em quando, com toda razão. O silêncio é o exercício ideal
para se chegar à essência das coisas, ao seu núcleo principal e inalterado.
Através dele recordamos que sentir e ser vêm primeiro do que mostrar e
demonstrar algo ao outro. Hoje em dia, invertemos este fluxo. Pois se parássemos
para sentir... Ah se parássemos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit; line-height: 115%;">Nesse imenso
falatório no qual submerjo todos os dias ao desbravar a rotina cotidiana,
Carminha e Cinquenta Tons de Cinza me perseguem. Tento fugir, mas quando não
estão no discurso uníssono das trivialidades, eles me encontram em carne, osso,
páginas e pixels. No metrô, logo de manhã, Carminha, Tufão e
Nina já estão nos televisores, em pleno veneno, quando mal descolei as
pálpebras da noite anterior. No horário político, a propaganda eleitoral de um
candidato a prefeito de minha cidade, cita as palavrinhas mágicas: Tufão,
Carminha e Nina, e assim ganha o Brasil. Na manhã seguinte, Arnaldo Jabor, na
voz do rádio, pergunta quem será punido ao final do julgamento do mensalão,
Carminha ou José Dirceu? Carminha compete com o horário político, com o julgamento
do mensalão. Sem dúvida sairá vitoriosa, sua audiência sobre eles é garantida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit; line-height: 115%;">Com os enésimos exemplares de Cinquenta Tons de Cinza é um pouco pior. Como eles não dependem de televisores, se
espalham como gremlins pela cidade, e em qualquer lugar onde eu esteja. Outro
dia uma moça, de olhos arregalados, lia o livro enquanto atravessava a faixa de
pedestres em plena Avenida Paulista. No mundo em que eu vivo, a sociedade se
enamorou facilmente pelos lazeres perversos destes dois produtos culturais.
Ambos são a expressão legítima de um mesmo querer: quanto pior, melhor. Ambos
celebram e atestam o gosto pela dor, seja na trama ou na própria experiência que
proporcionam ao público, que encontra no sofrimento um objeto de fruição.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit; line-height: 115%;">E Cinquenta
Tons de Cinza está na capa da revista de maior circulação do Brasil. Um assunto
de importância Nacional. Sem surpresa, políticos foram convidados a darem seu
depoimento sobre a obra. Carminha está no horário eleitoral, Cinquenta Tons de
Cinza na boca da Ministra do Meio Ambiente (algo tão assombroso de se colocar
em uma pauta de revista que chego a duvidar de minha sanidade neste momento).
Cinquenta Tons de Cinza e Carminha são atores políticos. Estão na boca dos
políticos. Ocupam espaços políticos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit; line-height: 115%;">Não demora muito
para que comunicadores, jornalistas e todos nós repitamos um pouco mais dessa ladainha que nos cerca, afoitos por assuntos fáceis, aceitação social e venda
de capas de revista. Mais e mais, falamos sobre o inútil, comunicamos o vulgar.
Reafirmamos um presente vazio. Tijolo por tijolo, moldamos um futuro
influenciado pelos fenômenos culturais do hoje. Se todos os best-sellers e
sucessos de audiência são retrato de uma época e a linha guia para uma próxima,
por que pensar que com estes será diferente? Através de um fenômeno, é como se
disséssemos coletivamente, “É disso que gostamos, é isso que queremos ser”. Um
belo futuro nos aguarda, repleto de Carminhas e do decadente e vazio personagem
de Cinquenta Tons de Cinza, que conversa conosco enquanto Carminha conversa com
nossos filhos toda noite pela televisão. Careta? Conservadora? Me chamem do que
for, quero Carminha e Mr. Grey ou qualquer pessoa parecida com eles bem longe
de mim. Talvez tenha que evitar muita gente no futuro, concluo. No invisível
que a cultura deixa no ar, moldamos o visível. Sempre.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: inherit;">E mesmo a
mim, que não vejo a novela, não escaparei desta construção. Ao contrário. Hoje
à noite ao fechar os olhos, de forma bem visível e teimosa, Carminha mais uma
vez estará lá, como um retrato do dia, grudada em minha retina. E de lá, mais
uma vez, com a paciência que nem sei de onde tiro, tentarei lhe arrancar em
busca de mais amor. Por favor.</span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: x-small;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-size: x-small;"><i>Imagem livre - www.morguefile.com</i></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<br />Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-1613676455694543452012-09-12T17:34:00.002-07:002012-11-07T08:47:06.586-08:00Arremate<br />
<div class="MsoNormal">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgS7q00xOqRHWIL0pZhayf3VNCerHZgGGICLC73ski7HUUC83jMv4VYw13EICR-OKh5wHoiPQ8Ivok9IyaZZPItm12_3VfkrAddDatMcMnT3kNA-azTDaCkWeTVXm8GtEqbCivnwWnlH68/s1600/file0001683814762.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="218" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgS7q00xOqRHWIL0pZhayf3VNCerHZgGGICLC73ski7HUUC83jMv4VYw13EICR-OKh5wHoiPQ8Ivok9IyaZZPItm12_3VfkrAddDatMcMnT3kNA-azTDaCkWeTVXm8GtEqbCivnwWnlH68/s320/file0001683814762.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: x-small;"><i>(Continuação de "Alinhavo")</i></span><br />
<br />
Era seu primeiro dia na casa, mas ali em meio a caixas
fechadas e paredes em branco, Sara vivenciava um entre-espaço até então nunca experimentado.
Era ela mesma em período de espera. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Caixas fechadas como uma respiração suspensa no ar, que
aguarda um novo expirar. Ansiedade talvez permeava seus sentimentos, mas ela
calmamente apenas aguardava com os olhos postos nos cantos, cheios da mudança
que havia tomado todos os espaços.<br />
<br />
Teria ela também mudado para acompanhar a
mudança de casa?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sara era só intervalo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Entre um arremate e uma nova costura há sempre uma pausa,
necessária, refrescante, bem vinda. E ela estava ali, de agulha pousada sobre
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<![endif]--><span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">—</span>resquícios que o
tempo junta e guarda nas mãos de quem coze o cotidiano.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A casinha trazia novos ares, nova fazenda se desdobrando
como o melhor futuro possível. Abriu as janelas, que seria dali para frente? O
ar entrava e mesclava o aroma de jardim travesso e agridoce com a poeira arrebatada pelo chão. O ar volvia o sol e o céu e Sara observava as partículas
de tamanho visível que se exibiam para a luz. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Chega de devaneios.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Muita coisa para limpar, rotinas para virar do avesso, ali
tudo teria de ser diferente, a começar pelo espaço, bem menor que seu
apartamento. As caixas trazidas denunciavam todos os excessos na vida de Sara e
de igual maneira a falta de vida onde coubesse tudo aquilo: cursos de espanhol,
aparelhos de ginástica, aulas de bordado, livros de finanças. Quantas Saras
poderiam sequer vivenciar metade daquilo com tranquilidade e ainda ter tempo de
cerrar os olhos no meio de uma tarde fria em uma poltrona macia? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Tinha fome, mas a geladeira estava vazia, mal a tinha ligado
na tomada. E o gás, os armários, toda uma casa aguardava as diretrizes de Sara
sobre o desconhecido. E cada escolha era um suplício, definição de uma
identidade —ao menos na publicidade era assim: chocolate: carência afetiva;
pizza para um: olho maior que a boca; saladinha: utopia demais para o momento.
Sara olhou em volta, nem sabia por onde começar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas isso era bom sinal havia lhe dito um amigo, guru das
horas aflitas: “Se não sabe por onde começar, ótimo, sinal de que há muitas
boas opções disponíveis” dizia ele. Mas Sara estava cansada dos excessos, até
de opções. Agora preferiria um script, quadrado, rigoroso e infalível: “O que
fazer quando mudar de casa”, ou melhor ainda, “O que fazer <i>primeiro</i> quando
mudar de casa”. Seriam ótimos títulos de livro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
De volta à vida real, melhor fazer supermercado. Sabe se lá
quantos dias passaria isolada, quiçá afastada da sociedade, em meio a tantas
caixas de memórias, brincava ela em pensamento. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Enquanto imaginava o que trazer para casa em uma lista
rabiscada de canto de mesa, lembrava das costuras, como sempre.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
No arremate, que antes de dar por finda a linha, torna para
trás mais um pouco, como quem diz que ali, num tiquinho do que já se foi, algo
permanece e com isso está seguro, Sara se encaixava perfeitamente. Ela também
estava em arremate desde que comprara a casinha, mas faltava-lhe a voltinha,
aquela que retrocede alguns passos para lembrar do que se foi, e do que
continuará levando quando mais à frente trocar de linha. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Enfrentou a mudança abarrotada a sua frente com olhos
altivos e coragem súbita. Melhor começar pelo passado. Pelo que se foi e ainda
é, e pelo que agora não será mais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Espiou duas caixas vazias, repositórios ideais do que
ficaria consigo e do que seguiria em frente. Começar pelo recomeço parecia a
melhor e mais sensata alternativa dentre todas as outras. Se há excesso de
opções, reduzir ao “sim” ou “não” era tudo o que precisava naquele momento.<br />
<br />
*Este texto é continuação do texto <a href="http://umpardeoculos.blogspot.com.br/2012/07/alinhavo.html" target="_blank">"Alinhavo"</a> <br />
<br />
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: x-small;"><i><br /></i></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-size: x-small;"><i>Imagem livre - www.morguefile.com</i></span></div>
<br />Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-11868263212065469832012-07-08T16:46:00.002-07:002012-11-07T04:02:09.472-08:00Alinhavo<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgC-2EhiSayZI6YtUM14asLBfQxj3_XJdUgCYANn8gUuqyadXKDWWJG49ugbbfMTX-1oa3vjm5zpVCB8Ipld4k8z_mcnewKR0Cw3kdL5pUTF7z_9QgWns_BGtiq-weSmN0VlAC-1y_3s9Q/s1600/file0001361336472.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="256" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgC-2EhiSayZI6YtUM14asLBfQxj3_XJdUgCYANn8gUuqyadXKDWWJG49ugbbfMTX-1oa3vjm5zpVCB8Ipld4k8z_mcnewKR0Cw3kdL5pUTF7z_9QgWns_BGtiq-weSmN0VlAC-1y_3s9Q/s320/file0001361336472.jpg" width="320" /></a></div>
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Estava passeando naquela rua por acaso. O dia havia se alongado e entre
um compromisso </span><span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">e outro, pequenos instantes foram guiando os passos de Sara por um
bairro tranquilo, rumo ao desconhecido.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Os pensamentos foram se afrouxando. Ela diminuiu o ritmo e enquanto caminhava
pela calçada ladeada de lojinhas, decidiu “dar-se” aquele dia de
presente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Pensando melhor, um dia inteiro talvez não pudesse, mas aquelas horas
pelo menos...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Então se deixou levar por uma coisa e outra que avivavam seu
passeio e abriam uma pequena fresta em seu coração. Um bibelô charmoso em uma
vitrine, flores nascidas na calçada, uma costura bem feita em um vestido, o
cello tocando dentro do ambiente de uma gostosa livraria... <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">E assim foi. Não comprou nada, não queria nada, bastava-lhe a beleza e o
esmero das coisas vistas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Há muito que andava afogada... Mas aos poucos, as muitas nuvens
caóticas, repletas de<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">urgências, atropelos, palavras atravessadas, incompreensões e desencontros,
iam ficando<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">para trás. Até a memória doce (e não sem sentido, a mais dolorosa) de
seu ex-namorado,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">principiava sumir e desbotar aos poucos, como água de banho quando
escorre entre os dedos,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">ele também, em meio aquele lento passeio, agora ousava liquefazer-se.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">A beleza do passeio que quase sustentava seus passos numa leveza avessa<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">ao cotidiano da cidade, valsando seu vestido pra lá e pra cá, levou-a
sem saber, justamente<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">ao encontro silencioso daqueles lugares em que queremos estar, mas não
sabemos exatamente como chegar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Foi quando, sem se anunciar, num vislumbre apressado de uma casinha
branca em uma vila,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">essa nuvem, junto às outras de pouco afeto, contraiu-se em um último
átomo restante e<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">sumiu no paralelepípedo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Num pedaço de rua, por um triz de segundo, quando quase ia
deixar-se ir mais à frente<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">sem reparar na casinha branca, seu ser estancou na calçada. Naquele instante foi como se seus olhos, impregnados da visão daquela casinha de
vila, aquietassem-se. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Naquele momento, enquanto um gato gordo e listrado vagarosamente
inspecionava seu território, Sara abriu as mãos sem perceber e deixou cair
delas as últimas memórias gastas<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">que carregava consigo, com os olhos fixos na casinha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Ela tinha uma sacada com trepadeiras e muitas folhas secas na entrada.
Parecia estranhamente abandonada, e mesmo assim, conservava algo que chamava
Sara para perto de si - havia alguma vida naquele lugar. Ela caminhou alguns
passos até o portão baixo e antigo da casinha, e olhou para dentro,
esquadrinhando com a visão e os ouvidos qualquer sinal de que a casa fosse
habitada. Mas ao ver uma placa imobiliária caída no chão, bem próxima à porta
de madeira, desconfiou que a casa talvez estivesse à venda. E não estava
errada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Não demorou muito para que pegasse o celular e ligasse para o número
indicado na placa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Enquanto o telefone chamava e ninguém atendia sua ligação, podia sentir
a calmaria que<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">habitava aquele lugar: nenhum som que não viesse dos passarinhos parecia
invadir aquela<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">ruela. A cidade e tudo mais havia ficado para trás, encapsulados em alguma bolha distante de<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">saudade e confusão, as buzinas, a poluição e seu ex feito fantasma,
aguardavam todos do lado<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">de fora, sem se atrever a adentrar a simpática vilinha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Alguém atendeu ao telefone do outro lado da linha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">-“Alô” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Disse Sara ainda receosa do que deveria dizer... E como quase sempre
fazia, as vezes com<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">sucesso e outras nem tanto, disse a primeira coisa que lhe veio à
cabeça.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">- “Eu só queria dizer que achei o telefone de vocês em uma plaquinha, em
frente a uma casa,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">aqui na Rua Madressilva...”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">-“A senhora está interessada em um de nossos imóveis?”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Sara não sabia o que dizer, talvez estivesse ha tanto tempo interessada
em tanta coisa. Uma<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">delas era mudar de rota, contornar o fio de sua vida e leva-lo para
outra direção, mas mudar de<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">casa? Assim, dessa maneira? Havia tantas contas pra pagar ainda, e não
sabia nem ao certo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">se devia mudar de profissão. Sara gostava do trabalho no escritório de
publicidade, mas queria<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">trabalhar com outra coisa, só não sabia ao certo o que era. Já havia
pensado muitas vezes sobre<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">isso, mas quando tentava explicar o que sentia ou botar os pensamentos
em ordem, era tomada por um mar de sensações difusas, coloridas, cheias de
cheiros e tecidos. Não sabia por que, mas demorava-se sempre nas lojas de
tecido, observando as texturas, as cores e imaginado todas as coisas que
poderia fazer com meio metro de pano colorido, tesoura, agulha, linha e...outro
tipo de vida. Uma que não era aquela, uma na qual pudesse ficar um pouco mais
em silêncio consigo mesma, e dar outro contorno aos próprios modos, hábitos,
gostos...a própria mente talvez.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Uma vida que não a fizesse ver tudo com os olhos de quem precisa sempre
vender algo a<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">alguém. Cá com ela mesma, parece que havia deixado de ser publicitária
há muito tempo, só<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">não sabia quanto ainda demoraria para contar a verdade a ela mesma e aos
outros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Principalmente ao seu chefe, que tinha tirado seu sono na noite anterior
por causa de um<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">anúncio de chiclete. Se ela não gostava de chiclete, como iria convencer
os outros de que<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">aquele chiclete horroroso era “uma explosão de sabores exóticos e envolventes
como você<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">nunca experimentou”?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">No mundo de Sara e de seu chefe tudo tinha que ser envolvente: do
sorvete ao papel higiênico, tudo era “imprescindivelmente envolvente”, mas Sara
estava cansada das coisas<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">imprescindíveis e envolventes. Poderia se viver sem elas? (talvez não
sem o sorvete!) Mas<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">aquela oferta sensória e infinita das coisas compráveis e que ninguém
poderia viver<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">sem, das ofertas imperdíveis, dos lugares inevitáveis, das últimas
promoções, tudo se misturava e esgotava algo de vital em Sara, que nem
mesmo ela sabia ao certo o que era. O gato gordo deu um bocejo
concordando, ele também estava cansado de tudo aquilo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">Sara sentiu os pés pisando firme o paralelepípedo. Destino são fios, é
costura, isso era tão<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;">claro... E se é verdade que a toda costura se precede um alinhavo, podia senti-lo agora debaixo dos próprios
pés no paralelepípedo; atrás de si nas trepadeiras preguiçosas que
descortinavam parte da casinha; no gato que agora dormia, inebriado pelo lusco
fusco dos pensamentos de Sara (minúsculos foguetes elétricos explodindo em
série por cima de sua cabeça). Puxou o fio, arrematou e cortou a linha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="color: #222222; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10pt;"><span style="background-color: white;">-“Sim estou.” </span></span><br />
<i style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18px;"><span style="font-size: xx-small;"><br /></span></i>
<i style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18px;"><span style="font-size: xx-small;">Imagem livre - www.morguefile.com</span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-66045235782265205162012-06-16T12:54:00.001-07:002012-06-18T05:37:12.296-07:00Abelhas na Rio+20<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEig2USQ_9T3s3WZP0fz5HJzMdzZ3sD0Tq-XZbgRQ1pfJR1YAGqMh1UJG11S1jQTxQ3IHdsQtP6B6O1D6RxStZtOgR-i3EauxEs1LfL5JZPYiSiTRe-CclmRyqPyt8LjDGwaZ84AgT43N2g/s1600/Bee_on_dahlia.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="212" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEig2USQ_9T3s3WZP0fz5HJzMdzZ3sD0Tq-XZbgRQ1pfJR1YAGqMh1UJG11S1jQTxQ3IHdsQtP6B6O1D6RxStZtOgR-i3EauxEs1LfL5JZPYiSiTRe-CclmRyqPyt8LjDGwaZ84AgT43N2g/s320/Bee_on_dahlia.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Um fenômeno chamado "Síndrome do Colapso das
Colônias" tem acometido as abelhas nos EUA nos últimos anos.
Cientistas verificaram que as colônias estavam diminuindo por conta do
desaparecimento repentino das abelhas, sem saber como ou o porquê do fato. As
informações publicadas recentemente pelo <a href="http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,abelhas-intoxicadas-se--perdem-ao-voltar-para-casa-,883497,0.htm" target="_blank">Estadão</a>, indicam
que o fenômeno pode ser atribuído ao uso do inseticida thiamethoxan,
comercializado no mundo há mais de dez anos. De acordo com a
reportagem, ao entrarem em contato com o inseticida, as abelhas ficariam
desorientadas e se perderiam no caminho de volta para suas colméias. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">A reportagem é um pequeno retrato do conceito de
interdependência e complexidade, fundamental para o entendimento de qualquer
discussão sobre desenvolvimento sustentável. Mais do que um conceito, não há
como se pensar em ações para o desenvolvimento sustentável que não sejam
concebidas desta forma. O "fazer" não interdependente inviabiliza até
a melhor das ideias e decisões sobre o tema. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">No entanto, nas empresas, governos e no comportamento
social, o receio é geralmente o mesmo: ou todos promovem a mudança para o
desenvolvimento sustentável ou ninguém se atreve, pois mudar sozinho é algo
sentido com insegurança e, quase sempre, considerado economicamente inviável. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Se um dos pontos centrais das discussões da Rio+20 é saber
como equacionar desenvolvimento social e consumo com a preservação ambiental,
sem dúvida seu pano de fundo é a compreensão sobre a necessidade do fazer
sistêmico e integrado. Em outras palavras, da necessidade do salto em conjunto.
Que seria a desejável substituição do famoso "eu só vou se você for",
por um "eu vou, quem vem comigo?". <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Mas e as abelhas? Elas invadiram a conferência? Uma pena que
não, pois observá-las seria muito valioso para o bom andamento dos debates na
Rio+20.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O caso do desaparecimento das abelhas é o melhor exemplo de
como apenas uma pequena interferência dentro de um sistema complexo, pode
causar o colapso de uma colônia inteira. Mais que isso, o impacto múltiplo de
uma única variável nas colônias de abelhas, é capaz de resultar no declínio da
polinização de espécies vegetais, e consequentemente na produção de alimentos
em todo mundo, atingindo o abastecimento da população.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Já sabemos que nosso sistema integrado, o planeta em que
vivemos, está exposto há muitas interferências negativas, todas elas de
influência interdependente, sem exceção. Pessoas, abelhas, geladeiras, carros
em oferta e sacolinhas de supermercado. Falando a grosso modo, tudo
influencia tudo. Em contrapartida, quais são as influências positivas que nós estamos
oferecendo para anular estes efeitos de ação interdependente?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Quando falamos em definições para a Rio+20, a opção dos
líderes internacionais por um "não fazer" ou "adiar até 2000 e mais
um pouco", deixando a responsabilidade de atingir metas para uma geração
futura (metas pensadas para uma configuração de mundo, que na época destas
gerações não será mais a mesma) é uma falácia, ou no mínimo uma grande
incompreensão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Incompreensão sobre o fato de que decisões como as que rumam
o desenvolvimento sustentável, precisam ser plurais e conjuntas para funcionarem.
Precisam trafegar livremente e com consentimento por diferentes esferas da vida
em sociedade, sem travar em pontos obscuros ou mal resolvidos desta rede. Em
resumo, não é possível que somente certos setores, como a sociedade civil organizada
ou parte do empresariado optem por decisões de caráter sustentável, portanto
sistêmico, se outros pontos desta rede, conectados de forma interdependente, obstruam
a efetivação destas ações. E isso pode ser feito, muitas vezes não de forma
deliberadamente mal intencionada, mas apenas inoperante </span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 10pt;">—</span><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">nem por isso menos
danosa.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Há incompreensão sobre o fato de que o "não
fazer", "adiar" e "só dar o passo quando todo mundo
for", também é de alcance sistêmico e causa grande impacto. Um único
"não" fazer", pequena variável introduzida em um organismo
complexo, tem ação interdependente e multiplicada em seus efeitos e influencia
de forma peculiar o resultado final. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">O mais interessante, voltando para as abelhas, é que uma das
etapas resultantes do processo de intervenção no seu ciclo de vida, é a perda
de capital econômico para nós humanos, através da alimentação. Em outras palavras:
perda de dinheiro. Pequenas relações de causa e efeito se ligam em uma
cadeia sem fim entre processos, pessoas, materiais e recursos, nada está
desligado. É por isso que todo o dano socioambiental, em algum momento,
apresenta uma manifestação também na forma de um resultado econômico. Não há
separação entre o que chamamos de recursos, financeiros, humanos ou ambientais,
todo dano custará, em algum momento, algo a alguém. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Não há como fugir da complexidade, nem da natureza. Se nós
separamos em nosso sistema financeiro a correspondência do capital com a vida
real, o planeta não tem nada a ver com isso. Pois para sua lógica, recurso é
recurso, abelhas são abelhas e chefes de Estado são pessoas com grande poder
decisório sobre entradas e saídas destes recursos. Uma vez implementada uma
ação, o sistema corresponderá de forma natural e sem desvios. O prejuízo desta
separação fictícia entre financeiro, social e ambiental, vivenciaremos depois. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Se pensarmos nas abelhas do caso do inseticida, elas não
levaram a substância citada para dentro de suas colmeias. Sua interação sistêmica
foi da ordem do "não fazer" (que na vida social julgamos nula, quase
sem impacto), as abelhas simplesmente se fizeram ausentes em suas colônias, ali
onde eram necessárias, causando impacto em escala nacional. Isso nos mostra que
a ausência, de pessoas ou atitudes, ou o que deixa de ser realizado, é também uma
opção, uma ação que será invariavelmente potencializada pela estrutura da teia
da vida, organizada de forma interdependente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Agora, nos momentos finais que antecedem a
Rio+20, chefes de Estado com decisões de impacto, da ordem do
"fazer" e do "não fazer", levarão elementos, acordos e
diretrizes de volta para suas colônias. Conscientes ou não no impacto de seus
mínimos atos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">Esperamos que o alto zunido que agora ronda os bastidores e
eventos da Rio+20, seja ao menos ouvido e compreendido pelas esferas de poder.
Caso contrário, nos veremos em pouco tempo consertando não apenas um ou outro
dano social, ambiental e econômico, mas tendo que refazer ponto a ponto, cada pedaço da teia amorosamente tecida para nossa sobrevivência que é a vida.</span><span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: x-small;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri, sans-serif; font-size: 10pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<i style="background-color: white; color: #222222; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18px; text-align: -webkit-auto;"><span style="font-size: xx-small;">Imagem livre - www.morguefile.com</span></i>
</div>Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-6804375378808428492012-03-26T05:49:00.011-07:002012-03-26T14:14:27.880-07:00Descoberta de si<div class="MsoNormal"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEMP-5TpuEYvohFwXAfBXOiPqVkSLGvPAPEvt99qMqKcbs3U8J_OS3J6JvwrgHdy3tGp2EhxBpJscV6XfGhFAQqA2IJW5h-hhW5jCfvxot82okbOWHHLdcegjz-0WCmZ2ytuW0rkJcSAA/s1600/Lock.JPG" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEMP-5TpuEYvohFwXAfBXOiPqVkSLGvPAPEvt99qMqKcbs3U8J_OS3J6JvwrgHdy3tGp2EhxBpJscV6XfGhFAQqA2IJW5h-hhW5jCfvxot82okbOWHHLdcegjz-0WCmZ2ytuW0rkJcSAA/s320/Lock.JPG" width="320" /></a></div>Um homem qualquer, tão peculiar como eu e você, acorda de manhã, toma café, sai para a rua e lê na sua frente um cartaz publicitário que lhe lembra de duas coisas: que ele é livre, e necessariamente, feliz. <o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">O vai e vem dos outdoors e comerciais de TV durante o dia, relembram constantemente seu direito, quase dever, de ser livre e feliz. O homem encontra os amigos, e todos eles parecem felizes e livres. E o homem se diverte como nunca. Nunca durante toda a história da humanidade nos divertimos tanto. <o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Mas no intervalo entre as diversões o homem não se sente feliz. Aturdido, vai ao psicólogo e paga quanto for necessário, para enfim conseguir ser feliz. O psicólogo repete-lhe as mesmas palavras, que pesam fundo em sua consciência: liberdade e felicidade. “Você é livre, tem o direito de ser feliz”. Como alguém pode não conseguir ser feliz agora, nos tempos em que aparentemente temos toda a liberdade de que precisamos para fazer isso acontecer?<o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">As duas palavrinhas mágicas, liberdade e felicidade, continuavam andando juntas, mas o homem não sabia explicar porque, nem como usá-las. Liberdade que não lhe traz felicidade, que seria? <o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Não é privilégio de uma única geração ser movida pela palavra <i>liberdade</i>. Muitos vieram e muitos virão, gravitando em torno do que parece ser muito mais do que um mero desejo. Custo a crer que haja pessoa cujos olhos não esbocem um mínimo interesse, nem que seja um leve tremeluzir das pupilas, ao som dessa palavra. <o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Houve um tempo em que a consciência latente acerca de uma classe opressora parecia nos mostrar o mais perfeito desenho de um desejo de liberdade– ali parecia estar todo o impedimento da liberdade individual e coletiva. O indivíduo era oprimido também enquanto coletivo, e esse domínio se fazia perceber de forma predominante material, e mais tarde soubemos, também de forma emocional e psicológica. <o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">O que não sabíamos, é que a investida contra os problemas oriundos da luta de classes, não era outra coisa senão mais um rompante, fração de um desejo maior pela liberdade do ser, e da manifestação deste em sua plena capacidade. A hierarquia social, por mais esmagadora que fosse, ainda não dava conta de reter toda a liberdade da qual um homem pode sentir falta, era apenas mais um grilhão entre muitos.<o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Esse mesmo desejo por liberdade eclodiu de diferentes formas ao longo da história, e não sem motivo. No renascimento, no iluminismo, na reforma religiosa europeia, nas revoluções do leste europeu, nas latino americanas, nas primaveras ao redor do mundo. <o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Em resposta, a história tratou de dar o talhe mais adequado a cada geração que se levantou contra estas formas de opressão à liberdade. Sempre soubemos da liberdade pelo que ela não era, e sempre a imaginamos quando não a tínhamos. Sua busca sempre nos acompanhou, quase como uma função vital, algo natural, inerente, constituinte.<o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Após algum tempo, ainda no passado, certos clamores pela liberdade individual pareciam enfim ter sido ouvidos: foi quando o horizonte do conhecimento parecia apontar a direção certa de uma liberdade e felicidade, conquistada a partir do direito de pensar e criar por si próprio, sem o controle de instituições que pareciam sufocar toda e qualquer aspiração à liberdade e ao desenvolvimento da individualidade. <o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Um pouco depois e de um jeito parecido, a liberdade coletiva também parecia estar muito próxima, quando passamos a usar e gostar mais da palavrinha “democracia”. Mas curiosamente, a democracia (um dos apelidos que demos para liberdade coletiva) não conversou muito bem com a conquista da emancipação do pensamento – um dos apelidos que havíamos dado até então para liberdade individual.<span style="color: red;"><o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Voltando lá atrás, o tempo passou. Veio a ciência, o método, a guerra, as transições políticas e transações comerciais. E cada vez menos, o homem via-se (ou acreditava-se), imerso em estruturas que lhe tolhessem a liberdade individual e de seu pensamento. Uma das últimas conquistas aparentes de nossa sociedade foi o direito de falar, a liberdade de expressão. E o homem livre, que agora pode, ou acredita poder, se manifestar das mais inimagináveis maneiras possíveis com seus semelhantes, ainda é um homem preso. Um homem que se esforça em crer que a liberdade de seu pensamento manifestado, é a expressão máxima de sua liberdade. O ponto mais alto que poderia chegar.<o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">A liberdade concedida historicamente não parecia, esse tempo todo, que nos levaria enfim à felicidade mútua, ao convívio pacífico, e à evolução da humanidade? Seria o mais lógico, mas por algum motivo, isso não aconteceu.<span style="color: red;"> </span>No caminho, no impulso pela vontade de ser livre, algo insinua que demos algum passo trôpego. Caminhamos sim, evoluímos sim, conquistamos sim. Mas descobrimos que não fomos, nem somos completamente felizes. Nem livres. <span style="color: red;"><o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">O homem levanta do divã do psicólogo e vai para casa. Convence a si próprio que é livre. Busca as respostas em seu pensamento: foi ensinado na escola e desde pequeno a encontrar todas as respostas nele, mas não as encontra. Seu pensamento, agora historicamente livre, lhe parece até ter vida própria: corre de lá pra cá, vai e volta, decide, depois volta atrás, ouve um conselho ou outro, se contradiz, segue sozinho por todas as direções. Mas não encontra um ponto de descanso. <o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Confuso, percebe que suas próprias leis, agora substituíam tranquilamente as leis que tanto oprimiam o homem ao longo dos séculos... Solidão.<br />
<br />
Não encontrava agora sequer inimigos que pudessem ocupar seu espaço de luta.<br />
<o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Então, o homem sozinho, sai de seu centro historicamente cunhado, um universo mental dito livre, e volta a olhar timidamente para o Universo ao seu redor. Vislumbra assustado que não está sozinho. Que não tem em si todas as respostas. Enxerga o caminho de sua solidão cuidadosamente traçado, à parte de tudo que existe além dos limites de seu pensamento. A grandeza lhe assusta. <span style="color: red;"><o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Tateia dolorosamente pelos dogmas de seu próprio pensamento e dos pensamentos dos outros, definitivamente, não era livre. Havia algo mais em seu interior, pedindo para ser solto e liberto. E o homem sabia, mesmo sem querer, que era dali, daquele lugar que ele não conhecia e que era maior que sua mente, que também vinha o estranho e comum anseio de felicidade.<o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Que havia dentro dele, vivo e pulsante, que não se esvairia em uma lápide após oitenta e poucos anos de vida? Que era ele em si, que não só cabeça, território livre para abrigar todas as filosofias existentes? Que era ele que não só um corpo, livre em movimento e expressão? <o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">O desejo de liberdade atordoava, cutucava alto e baixo no fundo de sua pouca conhecida completude, rasgava o coro uníssono das multidões, discordava, chorava, se maravilhava, querendo ir além. Porque ainda não era livre?<o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Se a ausência de liberdade oprime em primeiro lugar aquilo que chamamos de <i>individualidade </i>e sua manifestação, não seria importante perguntar, afinal, o que era essa individualidade? Do que ela se constitui, de onde veio, para onde vai?<o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">O homem silencia. É o primeiro desatar de nós de sua visão e compreensão. Nunca ousara ir além dali. Nunca ousara se perguntar. Nunca notara que o primeiro grilhão, fora fechado com chave própria, forjada nos olhares de seu tempo, cansados e cansativos, desiludidos e imperceptivelmente limitados. Olhos sem brilho e sorrateiramente deprimidos. Brilho nos olhos não é coisa se engane, ou ele existe, ou não existe. Por hora, era apenas o início da descoberta... <span style="color: red;"><o:p></o:p></span><br />
<br />
<i><span style="font-size: x-small;">Imagem livre - www.morguefile.com</span></i></div>Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-34500157275716317492012-01-21T06:30:00.006-08:002012-03-26T07:40:46.402-07:00True love is like a dessert<div class="MsoNormal"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEipcVR76f3Izior1mt0y9MHpCWDceolWNaHc4di6yfYxdH89qW9VqQF3JupQKHX1YSz7hM0bKcMJgXvaBKZ5Ugk-hHZ8eYRdkAsEOmpsnSeEKyTAmoUXKICmGdDuDnrkR-hjjtv7kLe6Tc/s1600/1st+bagels_4.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="212" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEipcVR76f3Izior1mt0y9MHpCWDceolWNaHc4di6yfYxdH89qW9VqQF3JupQKHX1YSz7hM0bKcMJgXvaBKZ5Ugk-hHZ8eYRdkAsEOmpsnSeEKyTAmoUXKICmGdDuDnrkR-hjjtv7kLe6Tc/s320/1st+bagels_4.jpg" width="320" /></a></div>Denyer Barok* é um chef mais conhecido por seus aforismos sobre a vida cotidiana, do que pelas peripécias na cozinha. Deixou as panelas em 93, quando saiu da França (naquela época recém celebrado pelo restaurante<i> Mimettre</i>) para dar lugar a sua paixão verdadeira: dar conselhos e fazer rosquinhas. <o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">No começo não foi fácil arranjar um lugar que lhe coubesse no mundo, não há muito espaço para trovadores sentimentais no reino das panelas, que dissesse fora dele. Veio então para São Paulo e abandonou os elegantes pratos de passarela do <i>Mimettre</i> para fazer rosquinhas– agora, as mais charmosas da cidade- e que ainda vêm com um diferencial: pequenos textos escritos à mão em suas caixinhas, que servem de alento para clientes sedentos de alma e açúcar. <o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Em uma delas, simples, com apenas 12 biscoitos cuidadosamente empilhados, somente uma frase ocupava o espaço: “<i>True love is like a dessert.</i>” (O amor verdadeiro é como uma sobremesa).<o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Intrigada fui perguntar ao próprio Denyer o que isso significava. Para minha sorte, ele não gosta muito do estrelato e recebe qualquer um em sua pequena cafeteria nas imediações da cidade. Para a sorte dele, eu gostava de fazer perguntas, o que me rendeu um episódio curioso ao lado do grande chef de rosquinhas e conselhos.<o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><i>-“Por que o amor verdadeiro é como uma sobremesa Denyer?”</i> Perguntei a ele. <o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><i>-“Muito simples”</i> respondeu. <o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><i>"Depois de passar alguns anos em grande restaurantes, começando pelo cargo de auxiliar do sub-assistente de alguma tarefa, e terminando como o Chef pouco amistoso que decidirá o que será servido na semana de acordo com seu humor, você aprende algumas coisas. E muito do que aprendi está relacionado ao amor, ao amor verdadeiro.” <o:p></o:p></i></div><div class="MsoNormal"><i><br />
</i></div><div class="MsoNormal"><i> -“Como assim Denyer?” </i>perguntei. <o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><i>-“Veja só, eu era capaz de fazer pratos elaborados, elegantes, ou só cozinhar o que os outros gostavam, mas nada disso era amor verdadeiro, nada disso tocava o meu coração.<o:p></o:p></i></div><div class="MsoNormal"><i><br />
</i></div><div class="MsoNormal"><i>Amor verdadeiro são como rosquinhas, iguais às que faço hoje! E ninguém me deixava fazer rosquinhas em minha saga pelas cozinhas estreladas. Tentava escapar entre um caldo e um risoto para fazer algumas simples rosquinhas para o café da tarde, mas não havia espaço para elas em minha rotina.”<o:p></o:p></i></div><div class="MsoNormal"><i><br />
</i></div><div class="MsoNormal"><i> </i>Neste momento ele faz uma pausa, se emociona, e continua: <o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><i>“No máximo conseguia começar a bater os ingredientes, e logo vinham os problemas para resolver, você sabe, a cozinha é um ambiente difícil, é preciso estar preparado. Teve uma época que consegui que houvesse rosquinhas no restaurante, mas como eram muito simples de se fazer, um encarregado podia prepará-las, enquanto eu tinha que dar atenção aos pratos mais elaborados. Isso me enchia de tristeza.<o:p></o:p></i></div><div class="MsoNormal"><i><br />
</i></div><div class="MsoNormal"><i>E quando digo que rosquinhas são como o amor verdadeiro, como o casamento, le mariage! Digo isso porque elas nunca falham. Podem não ser um doce apetitoso e colorido, nem aquele prato exótico que você gostaria de experimentar e que há anos você se pergunta por que nunca fez. Mas as cinco ou seis da tarde, tudo o que você vai precisar são rosquinhas amigas. Singelas rosquinhas e uma xícara de chá, que pode até estar frio, mas se as rosquinhas forem como as minhas, elas salvarão sua tarde. <o:p></o:p></i></div><div class="MsoNormal"><i><br />
</i></div><div class="MsoNormal"><i>Rosquinhas são a medida certa de sabor, nem mais, nem menos. Não há quem não goste delas. São como um abraço carinhoso e conhecido, um sorriso sincero no fim do dia, um suspiro compartilhado depois de algo que deu errado. Com as rosquinhas, sempre fui feliz, mas demorou para que eu assumisse esta paixão completamente.” </i>– Confessou.<o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><i>“<span style="font-family: inherit;">Ninguém quer admitir que passou por uma escalada rumo à fama e deixou tudo para trás para se dedicar às rosquinhas, que aliás, nem são uma sobremesa, apenas um tímido item de pâtisserie. Chamo de sobremesa porque para mim elas valem muito mais do que qualquer <span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial;">crème brûlée de confeitaria, entende</span><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial;">?</span></span><o:p></o:p></i></div><div class="MsoNormal"><em><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; font-family: Calibri, sans-serif; font-style: normal;"><br />
</span></em></div><div class="MsoNormal"><i>Mas como tudo na vida tem seu tempo, demorei um pouco para perceber que uma vocação a gente só consegue esconder até certo ponto, e quando percebi que aquilo era amor, cheguei ao meu limite.”<o:p></o:p></i></div><div class="MsoNormal"><i><br />
</i></div><div class="MsoNormal"><i>-E como foi isso?</i></div><div class="MsoNormal"><i><br />
</i></div><div class="MsoNormal"><i>-“É preciso ter amor pelo que se faz, simplesmente porque esse é o ingrediente mágico que faz tudo funcionar, na cozinha, nos relacionamentos, na barbearia. E com as rosquinhas era assim. Muitas vezes a gente deixa o amor escapar preocupado com outras coisas que gravitam em torno do dia-dia, as contas, o cliente insatisfeito, aquela moça que tinha alergia a camarões e não sabia, minha nossa, nunca me esquecerei daquele dia! Enfim tudo isso deixa o amor passar despercebido se você não estiver disposto a vê-lo, compreende?<o:p></o:p></i></div><div class="MsoNormal"><i><br />
</i></div><div class="MsoNormal"><i>E ai no final, você se vê rodeado de conquistas, quadros nas paredes, recomendações disputando espaço na edição de sábado nas revistas, e nada disso lhe satisfaz, o amor mesmo, se perdeu. Certo dia me vi sozinho em minha cozinha e elas, somente elas (as rosquinhas) me deram ânimo para juntar um punhado de farinha e preparar algo. É nessas horas em que você se reconhece meu amigo. E quando as vi, douradas, saindo do forno com seu perfume leve e discreto, sabia que estava mais perto das coisas que me faziam sentir eu mesmo. Não que as rosquinhas sejam minha razão existencial, longe disso, mas estar ali, fazendo o que gosto, com gratidão e felicidade, é o que me aproxima de minha razão existencial, do sentido de minha vida.”<o:p></o:p></i></div><div class="MsoNormal"><i><br />
</i></div><div class="MsoNormal"><i>-“Você fala em amor verdadeiro, existe então um amor que não é verdadeiro, um falso amor Denyer?”<o:p></o:p></i></div><div class="MsoNormal"><i><br />
</i></div><div class="MsoNormal"><i>-“É ai que você chegou no ponto certo, minha cara. Não existe amor falso, ou é amor verdadeiro ou não é amor. O problema é que as pessoas hoje confundem uma porção de coisas com amor, que não são amor de jeito nenhum. <o:p></o:p></i></div><div class="MsoNormal"><i><br />
</i></div><div class="MsoNormal"><i>Devo lhe confessar que nós humanos somos péssimos em matéria de amor. E esse amor, que temos pelas coisas, pelas causas, por uma pessoa, por nosso trabalho, é ainda apenas um pequeno amor. Ele na verdade é mínimo, perto do Amor maior, que está em todas as coisas, em nossa existência... O amor pequeno, mesmo quando real, verdadeiro, amor com todas as letras, é só uma pequena mostra, para nós palpável, de um Amor maior, sinônimo de toda Vida. Existir é maravilhoso, você já pensou sobre isso?"<o:p></o:p></i></div><div class="MsoNormal"><i><br />
</i></div><div class="MsoNormal"><i>-“O senhor lê filosofia?” </i>Perguntei curiosa.<o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><i>-“De maneira alguma. A filosofia, se você quiser saber, pode ser extraída de tudo que se queira conhecer verdadeiramente e com profundidade, não é preciso ir à Sorbonne para desvelar a consciência humana, muito pelo contrário, aliás. A filosofia está em tudo minha jovem, é por isso que alguém pode acessá-la até mesmo através de uma fornada de rosquinhas...”<o:p></o:p></i><br />
<i><br />
</i><br />
<div class="MsoNormal"><i><span style="font-size: 8pt; line-height: 115%;">Denyer Barok* é um personagem fictício, assim como este texto, apenas um exercício literário. <o:p></o:p></span></i><br />
<i><span style="font-size: 8pt; line-height: 115%;"><br />
</span></i><br />
<i><span style="font-size: 8pt; line-height: 115%;">Imagem livre - www.morguefile.com</span></i></div></div>Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-86221098024244603472011-11-08T04:14:00.000-08:002012-01-30T04:25:36.811-08:00A economia do botijão de gás<div class="MsoNormal">Já era de noite e eu estava na rua quando ela me parou. Tinha pouco mais que a minha idade, talvez uns três ou quatro anos a mais. Usava roupas em bom estado e tinha uma criança ao colo. Era bonita. Estivera andando o dia todo. E eu, naquele dia de sol forte, das poucas caminhadas que tinha dado, já sentia a cabeça doer. A moça me contou que estava procurando emprego de faxineira já fazia dias, e que estava morando na capital porque havia fugido do marido com suas crianças. Pude perceber a vergonha em seus olhos. Ela se desculpou por incomodar, mas disse que precisava urgentemente de um trabalho, qualquer que fosse, para comprar um botijão de gás e alimentar seus filhos no acampamento sem terra em que morava. <o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Expliquei à moça que não poderia lhe contratar e que não sabia onde pudesse conseguir um trabalho, mas ofereci-lhe um pouco de dinheiro. Foi quando a moça, tomada por um sentimento de tristeza e resignação disse: “Não quero dinheiro moça.”. Ela precisava de um emprego, e sabia disso. Não queria pedir. Sabia também que o dinheiro dado no dia, não valeria tanto quanto a garantia de um trabalho. Seu bem mais caro e de maior urgência era o botijão de gás. R$ 45,00 – o preço de um dia de faxina segundo ela, e muito mal pago, por sinal. Disse-lhe para aceitar o dinheiro, se pudesse ajudar a comprar comida para a criança. Ela aceitou, mas com peso nos olhos, dinheiro não valia tanto quanto trabalho. <o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">A história é semelhante a muitas outras, para quem vive em São Paulo, metrópole cujos bolsões de pobreza e histórias inacreditáveis, não são mais apenas bolsões - são a própria face escondida por trás de nosso modelo de progresso, escrita e estampada nas ruas da cidade. Talvez a história não choque, muitos de nós estão distantes da realidade de fugir às pressas de casa, deixando para trás o pai dos seus filhos e sumindo no mundo. Mas todos nós sabemos quanta razão tinha a moça em preferir um trabalho do que o dinheiro dado. Dinheiro que já havia recebido de outras pessoas em sua caminhada em busca de emprego. Essa sutil diferença entre ganhar dinheiro e receber dinheiro, determinaria para a moça, dois caminhos diferentes de vida a seguir. Provavelmente para seus filhos também.<o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Mais do que uma faceta de nossa sociedade, essa moça é um retrato de uma complexa situação socioeconômica brasileira, na qual, em escala ampliada, há uma parcela da população em boa situação social disposta a dar dinheiro, mas incapaz de oferecer um trabalho. Pessoas cuja renda capacita ao assistencialismo, mas não são capazes de replicar essa riqueza, provendo trabalho. Há muito mais domésticas oferecendo seus serviços, do que vagas para esse tipo de trabalho em uma metrópole como São Paulo. E é vergonhoso perceber como nossa organização social traz contrariedades tão grandes como essa: é possível doar para muitas pessoas necessitadas, pois o excedente monetário viabiliza isso, mas não é possível absorver tantas pessoas para dentro de uma dinâmica de geração de renda e riqueza. Isso ainda vai mais além, pois é uma das profundas raízes do que chamamos pobreza endêmica em uma organização social. <o:p></o:p><br />
<br />
</div><div class="MsoNormal">Passamos então a repensar uma das muitas causas da pobreza, não como ausência de riqueza monetária produzida por um local (isso não é novidade), nem como disparidade de distribuição desta riqueza, de forma direta, mas como um desequilíbrio na organização do sistema de trabalho, se pensado como um ecossistema único e integrado.<o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Ainda na sociedade brasileira, confundimos dinheiro com riqueza, duas coisas muitas vezes integradas, mas diferentes. Em termos simples, riqueza é ter o que comer, ter saúde e viver bem. Dinheiro são notas que você guarda no banco, de valor simbólico e instável. Pois bem, a sociedade brasileira produz dinheiro, sua nova classe média e a classe alta possui mais dinheiro do que nunca possuiu, e mesmo assim a riqueza diminui. Enquanto isso, acostumado com uma noção parcial de crescimento econômico e riqueza, o Brasil caminha. Também caminha aquela moça, vendo sua riqueza no tão sonhado botijão de gás, muito mais do que no dinheiro assistencial que toda uma classe é capaz de lhe oferecer.<o:p></o:p></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><br />
</div>Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-20683625395739978242011-10-13T07:49:00.001-07:002012-03-26T10:05:19.168-07:00Ebulição<div class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="line-height: 18px;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;">Existe um momento na vida em que decidimos ser felizes. Um só não, vários. Isso acontece algumas vezes, e geralmente vem depois de um mais ou menos longo período de revisão, ou de um baque, uma queda profunda, certeira, dolorosa e necessária.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;">A tal da revisão da vida pode acontecer de várias maneiras. Às vezes ela vem quase que inconsciente, rodeando pelas bordas, sussurrando alguma coisinha aqui, outra ali, até dar o grito. Às vezes também não é um grito, mas uma conversa franca com nós mesmos, em que o tempo parece parar e sentamos para conversar conosco, a sós, observando o mundo ao nosso redor e nossa situação nele. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;">Um amigo querido me descreveu isso de maneira bem simples ao longo das fases da vida. Se uma primeira pergunta que fazemos quando atingimos a maioridade é: “quem eu quero ser?”, o passo seguinte dali a alguns anos, inevitavelmente terá o tom de outra pergunta: “estou sendo o que quero ser?”, e mais tarde talvez de outra, quem sabe derradeira: “eu realmente quero ser o que estou sendo, e que decidi ser?”.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;">Fases de desenvolvimento à parte, talvez essas perguntas nos revisitem periodicamente com mais frequência do que imaginemos. E no “decidir ser”, alvo de uma meta, vetor de uma força de vontade que constrói a vida, queiramos ou não, muitas coisas pequenas, diárias, rotineiras, esmiúçam um caminho. Falo de vontades profundas e verdadeiras. Não das vontades passageiras e frívolas, que voam com o vento, oscilam com os mercados e mudam junto com a cor da estação. O tipo e a qualidade dessas vontades são o que geralmente somos chamados a avaliar. Pesar e olhar novamente toda vez que aquele momento, a sós, nos chama à salinha da consciência, depois de uma doença, de um revés, de um ou vários sustos, ou mesmo de uma ebulição.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;">Ebulição? Sim... a tênue consciência de que mesmo na calmaria da vida exterior, aquela que aparece ao outros, algo lentamente fervilha e vem à tona. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;">Os ursos hibernam, as plantas também. Um recolher de forças e nutrição que prepara algo. Nos ursos, o batimento cardíaco diminui, as funções vitais mudam de ritmo e ele todo se faz processo de um preparo. Nas plantas, as forças vitais também passam por transformações e o próprio período de poda é feito geralmente nessa fase de latência, para que depois, a planta cresça e brote direcionando toda sua energia na formação de novas folhas e galhos. </span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;">Como disse Cecília Meireles </span><span class="apple-style-span"><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; color: black; line-height: 18px;">"Aprendi com a primavera; a deixar-me cortar e voltar sempre inteira.". </span></span><span class="Apple-style-span" style="line-height: 18px;">Também temos nossos períodos de podas, hibernação, latência e ebulição.</span><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; color: black; line-height: 18px;"> </span><span class="Apple-style-span" style="line-height: 18px;">Coisas diferentes mas que em algum momento tocam, com suavidade ou violência aquele que passa por uma transformação. Não sei se “violência” é a palavra mais adequada, no sentido de violar algo, mas mais no sentido de atravessar nossas camadas e balançar nosso interior. Talvez a violência também dependa em muito de quanta resistência opomos às transformações.</span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;">Pergunte a alguém, pergunte a você mesmo: no começo, meio ou fim desses processos de transformação e revisão, as pessoas, quer ou não, esbarram na felicidade e também na realidade espiritual, ou espiritualidade. Espiritualidade, não como expressão religiosa, mas como reconhecimento de um Eu espiritual vivo em nosso interior, que caminha em um Universo maravilhoso e abundante. O ser vivo que não se vai com o corpo, matéria sujeita à decomposição na Terra.<o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;">Fala-se muito em sentido da vida, mas eu prefiro a palavra propósito. Enquanto que o sentido é tudo aquilo o que nos rodeia e que vai para além do visível, o propósito pode-se dizer que é o que vou fazer com tudo isso. Como vou me posicionar e o que ativamente farei em um Universo tão maravilhoso. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal"><span style="font-family: inherit; line-height: 115%;">Não é difícil ver como essas pessoas (</span><span class="Apple-style-span" style="line-height: 18px;">muitas vezes </span><span class="Apple-style-span" style="line-height: 18px;">por algum motivo doloroso) pararam tudo o que estavam fazendo para pensar, sentir e intuir com urgência o que é a felicidade, o propósito do Eu e a realidade interior, espiritual; e como essas questões recorrentemente nos chamam de forma audível em algum momento da vida. Momentos de desfragmentação, observação e reorientação. Momentos maravilhosos, em que algo vem à tona e nos chama para o encontro da felicidade, como se ela fosse não somente uma contingência, como creem os infelizes, mas uma necessidade inerente à própria condição de vida na qual estamos imersos e da qual somos, em pequena parte, sujeitos, e em grande parte, objeto - uma compreensão que passa, via de regra, pela humildade, mas que já é assunto para outro texto...</span></div><div class="MsoNormal"><br />
</div>Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-4521466489086592072011-09-21T17:51:00.000-07:002011-09-21T17:53:38.280-07:00A floresta e a diferença<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">Vídeo que fiz para o festival de vídeos #florestafazadiferenca</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.youtube.com/embed/I6bDNi0WEMY?feature=player_embedded' frameborder='0'></iframe></div><br />
<br />
<a href="http://www.youtube.com/watch?v=I6bDNi0WEMY">http://www.youtube.com/watch?v=I6bDNi0WEMY</a>Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-42617333721172938172011-08-29T05:36:00.001-07:002012-03-26T10:01:03.026-07:00Amor de desencontroFoi só um arranhão. Um arranhãozinho, indo do capô à lanterna do carro, coisa pequena. Então tudo bem, ela pagava e ficava tudo certo. Ele perguntou seu nome, mas ela não respondeu.<br />
<br />
-Só um minuto, vou anotar a placa do seu carro primeiro.<br />
<br />
Ih, aposto que essa deve bater o carro todo mês – ele pensou.<br />
<br />
-Porque você tinha que me fechar daquele jeito? Eu achei que você ia parar.<br />
<br />
-Porque sempre a gente tem que parar? Os outros nunca param né?<br />
<br />
-Eu achei que você ia parar moça.<br />
<br />
-É eu também.<br />
<br />
-Você tem seguro?<br />
<br />
-Não.<br />
<br />
-Eu também não. E agora como é que faz? Quem vai pagar?<br />
<br />
-Seria bom se você pudesse fazer a gentileza de assumir a culpa - disse ela.<br />
<br />
-Mas não fui eu quem bati em você, foi você quem veio correndo, lá de trás, ouvindo rádio, toda desligada, eu vi.<br />
<br />
-Voce viu?<br />
<br />
-Ví.<br />
<br />
-Como se eu estava lá atrás?<br />
<br />
-Eu ví ué, olhei pelo retrovisor e vi você, correndo que nem uma louca.<br />
<br />
-Então quer dizer que você me viu e nem deu o trabalho de desacelerar... Pelo contrário, correu mais ainda.<br />
<br />
-É por que queria chegar primeiro. Estava atrasado. Aliás, estava não, estou. Agora já perdi a hora.<br />
<br />
-Eu também. <br />
<br />
-Acho melhor agente sair daqui do meio da rua, lá atrás já está virando um caos.<br />
<br />
-E você não vai pagar?<br />
<br />
-Você tem telefone?<br />
<br />
-Pra que?<br />
<br />
-Não, sei. Não é isso que as pessoas fazem quando batem o carro, trocam telefones?<br />
<br />
-Vamos estacionar ali do lado<br />
<br />
-Ok.<br />
<br />
...<br />
<br />
-Você nunca bateu o carro? - ela perguntou.<br />
<br />
-Não, estava novinho, comprei faz pouco tempo.<br />
<br />
-Puxa...<br />
<br />
-E você, bate o carro, assim... Com frequência?<br />
<br />
-Por que? Parece?<br />
<br />
-Só estou perguntando...<br />
<br />
-Já bati sim...Mas uma vez só, e pior, foi nessa mesma rua...<br />
<br />
-Sério?<br />
<br />
-Sério.<br />
<br />
-Que coincidência...<br />
<br />
-Nem me fale...<br />
<br />
-Então quer dizer que você bate sempre, quer dizer, vem sempre aqui?<br />
<br />
-É o caminho do trabalho.<br />
<br />
-É o meu também.<br />
<br />
-E todo mundo sempre corre aqui nessa ruazinha, impressionante. Parece que todo mundo passa por aqui e lembra que tá atrasado.<br />
<br />
-É isso também acontece comigo.<br />
<br />
- Olha... Me desculpa, eu não queria ter feito isso.<br />
<br />
-Na verdade, eu que não devia ter corrido tanto, vi você vindo lá de trás, mas queria chegar primeiro...<br />
<br />
-Mas era sua vez de passar.<br />
<br />
-Mas você estava com mais pressa do que eu...<br />
<br />
-Na verdade, eu nem estava com tanta pressa assim, mas todo mundo correndo, dá até mais pressa, não sei...<br />
<br />
-É que essas coisas estão...tipo no ar sabe? Um pega e passa pro outro..sem saber<br />
<br />
-Você também acredita nessas coisas?<br />
<br />
-Acredito...<br />
<br />
-Na verdade, eu quase nunca corro, eu nem sei porque estava correndo...<br />
<br />
-Vai ver você tinha que bater o carro mesmo e eu também.<br />
<br />
-Será? Não sei... As pessoas não acreditam nisso por ai...<br />
<br />
- Ah, não sei, às vezes eu acredito...<br />
<br />
- E porque você não fez seguro?<br />
<br />
-Eu achei que nunca ia bater o carro. Não, não foi isso, eu achei que nunca ia bater o carro a ponto de precisar do seguro. E você, por que não fez seguro?<br />
<br />
-Não sei, descuido. Acho melhor fazer daqui pra frente, já é a segunda vez então...<br />
<br />
-Eu tenho um primo que é corretor de seguros sabe... Gente boa ele.<br />
<br />
-E porque você não fez seu seguro com ele?<br />
<br />
-Qual é seu nome?<br />
<br />
-Márcia.<br />
<br />
-Olha Márcia, eu não gosto de seguradoras, seguros, enfim, essas coisas só me deixam mais aflito ainda.<br />
<br />
-Por quê?<br />
<br />
-Porque você está literalmente investindo em uma coisa que quer evitar sabe?<br />
<br />
-Mas não é bom prevenir?<br />
<br />
-É bom sim, você tem razão.<br />
<br />
-Acho que você tem que superar isso sabe?<br />
<br />
-Você é psicóloga?<br />
<br />
-Sou.<br />
<br />
-Ah entendi. <br />
<br />
-Entendeu o que? É sério, você tem que fazer um seguro mesmo, olha onde você vive. É loucura não ter seguro hoje em dia.<br />
<br />
-É mas você também podia ter pensado nisso do seguro....ai quem sabe, evitaríamos alguns problemas...<br />
<br />
-É mas eu não tenho.<br />
<br />
-Você quer o telefone do meu primo?<br />
<br />
-Quem, o do seguro? Ah pode passar... Nossa estou super atrasada, já perdi meu compromisso. Qual é o seu nome mesmo?<br />
<br />
-Fábio. E o seu é Márcia.<br />
<br />
-Isso.<br />
<br />
-Você ia pra onde mesmo?<br />
<br />
-Vila Mariana. Eu trabalho lá.<br />
<br />
-Perto de onde?<br />
<br />
-Da cinemateca, conhece?<br />
<br />
-Sei, sei sim. Eu fui lá uma vez já... Ver um filme... Não esqueço esse dia...<br />
<br />
-Que filme?<br />
<br />
-Não lembro o nome, mas era sobre um casal...<br />
<br />
-Um casal...?<br />
<br />
-É um casal desses bem comuns sabe, que fica discutindo a relação o filme inteiro... Muito, muito chato mesmo.<br />
<br />
-Mas porque você foi ver então, se era tão chato?<br />
<br />
-Eu não sei, achei que minha namorada... Ex-namorada! ia gostar de ver o filme, ai fomos lá ver... Nossa era muito chato mesmo, as músicas davam até sono... Eram uns boleros sofridos... Que filme triste sabe... E o casal discutia e discutia e não saia do lugar. Parecia até que eles gostavam de ficar conversando e discutindo sem parar... Uma loucura...<br />
<br />
-Você pelo menos prestou atenção na música.<br />
<br />
-É que eu sou músico...<br />
<br />
-Legal...<br />
<br />
-Agente tem uma banda... <br />
<br />
-Bacana<br />
<br />
-Eu meu primo e uns amigos nossos...<br />
<br />
-O primo do seguro?<br />
<br />
-Não outro primo... Família grande, italiana...<br />
<br />
-Meu pai também é descendente de italiano... Imigrante<br />
<br />
-Você, eu e metade da cidade...<br />
<br />
-Uma vez eu fui num museu... Museu do Imigrante, lá na Mooca, você conhece?<br />
<br />
- Não, nunca ouvi falar.<br />
<br />
-É bem legal lá mesmo... Você pode procurar os registros da sua família, sobrenome e tal... Ver quem veio de navio com quem, de onde vinha, pra onde ia...<br />
<br />
-Meus bisavós se conheceram num navio... Essa história é engraçada, eles viajaram seis ou sete meses, e no último dia de viagem se conheceram, só no último dia... Mais um pouco eles tinham ficado sem se conhecer...<br />
<br />
-Será?<br />
<br />
-É, na verdade eu acho que não... É como eu disse, acho que tem coisas que tem que acontecer mesmo, vai entender... Se quiser depois te conto a história melhor, eu não lembro bem... Mas eles foram bem felizes juntos...pelo menos eles se davam bem...<br />
<br />
-É um dia você me conta. Vou ficar feliz em saber a história dos seus bisavós...<br />
<br />
-Sério?<br />
<br />
-É sim... É que tem a ver com o tema da minha pós da psicologia...<br />
<br />
-Sobre o que é a sua pós?<br />
<br />
-Tem um nome complicado, mas é sobre a função da memória na formação da personalidade...<br />
<br />
-Poxa bacana... Coisa séria hein..<br />
<br />
-É... Eu queria fazer já faz muito tempo... Esses dias estava pesquisando sobre a nossa capacidade de lembrar das mesmas coisas do passado, de um jeito diferente, e mudar nossa percepção sobre elas no presente... Quase como acionar um botão... Que podemos apertar a qualquer momento... <br />
<br />
-Tipo a lembrança dessa batida daqui para frente...?<br />
<br />
-É tipo a lembrança dessa batida daqui pra frente...<br />
<br />
-Parece então que agente apertou o botão ao mesmo tempo...<br />
<br />
-É...Olha, eu nem sei por que impliquei tanto com esse arranhãozinho.<br />
<br />
-Um arranhãozinho com um leve amassado no final...<br />
<br />
-E um pedacinho do para-choque caído.<br />
<br />
-Não é tão ruim assim.<br />
<br />
-Não, não é.<br />
<br />
-E agora eu vou olhar pro meu carro amassado, e vou lembrar de você.<br />
<br />
-Eu acho que ainda vou lembrar da batida também...meu carro arranhou mais que o seu.<br />
<br />
-É verdade, você foi mais prejudicada do que eu.<br />
<br />
-Pois é, está desigual.<br />
<br />
-Então eu vou ser obrigado a te pagar um café para compensar.<br />
<br />
-Mas um café não vai compensar esse dano...<br />
<br />
-Não tem problema, eu pago vários.<br />
<br />
-De uma só vez?<br />
<br />
-Não, posso ir parcelando os cafés se você quiser...<br />
<br />
-Em quantas vezes?<br />
<br />
-Umas quatro ou cinco quem sabe... Depende de quantos cafés você achar que vale essa batida...<br />
<br />
-Acho que vale alguns cafés, talvez uma ida à oficina...<br />
<br />
-Que bom... Agente compensa o dano.<br />
<br />
-É agente compensa... Aos poucos<br />
<br />
-É aos poucos.<br />
<br />
-Você vai por ali?<br />
<br />
-Eu vou para o outro lado.<br />
<br />
-A essa hora não faz mais sentido ir por ali, vou voltar pra casa.<br />
Me desculpe, atrapalhei seu dia.<br />
<br />
-Que isso. Foi só um desvio de rota. Acontece.<br />
<br />
-Mas que besteira, eu nunca devia ter batido em você, devia ter desacelerado.<br />
<br />
-Eu também, e devia ter desviado.<br />
<br />
-Sim e você também.<br />
<br />
-Mas aí teria sido mais um desencontro.<br />
<br />
-Sim, teria...Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-8152719091617340342011-08-22T07:33:00.000-07:002011-08-23T17:35:15.330-07:00Sweet manipulationJá não é de hoje que o mesmo assunto bate em minha porta, seja pela boca de um amigo ou amiga, seja pelas palavras de algum teórico, distante no tempo e espaço, próximo em pensamento. Isso porque observar o <i>modus operandi</i> da mídia é uma tarefa que requer anos de estudo, um doutorado e uma tese, ou apenas uma sentada no sofá diante da televisão, com olhos mais abertos e uma mente menos amortecida. Sem desmerecer nenhum dos dois, vamos ao caso.<br />
<br />
Não é de hoje que a abordagem infantilizada, por meio da publicidade, da mídia e da política, varre o imaginário popular com uma desenvoltura aterradora.<br />
<br />
Mas o que significa dialogar constantemente com um discurso que nos trata como se tivéssemos pouca maturidade? Que efeito psicológico tem a voz que fala conosco através da comunicação como se fossemos carente de entendimento? Que não se aprofunda e permanece sempre na superfície dos lugares comuns e dos consensos previamente aceitos? O discurso é uma arma poderosíssima, capaz de conduzir facilmente pela mão os menos atentos.<br />
<br />
Se eu falo com você como se tivesse 10 anos de idade, com pouquíssima ousadia crítica e reforçando silenciosamente que “você não sabe nada, ainda tem muito para aprender”; Se eu falo com você com a tonalidade da voz paternal da experiência, aquela que sabe o que é melhor para “você e sua família”, que tipo de resposta estou esperando de você? E porque será que eu falo sempre de “você e da sua família”? Seja pra vender margarina ou divulgar meu partido, quem foi que abriu a porta da sua casa e reservou um lugar no seu sofá para que eu conheça sua família assim tão bem?<br />
<br />
Se uma pessoa fala com você assim, você com certeza vai achar um pouco estranho. Mas se muitas vozes da comunicação falam com você assim o tempo todo, a tendência, como quase em tudo, é achar que a maioria tem razão.<br />
<br />
Mas pouco paramos para prestar atenção nessas vozes que dialogam conosco o dia todo. Pouco paramos para ouvir o que elas falam, o que elas tem a dizer, e o que sobra da intenção fundamental revestida de frases de efeito.<br />
<br />
Pouco notamos que entre uma trama de consensos altamente digestíveis, facilmente se aderem pedaços de ideias, que despercebidas nesse emaranhado, depois se encontram e se combinam em nosso interior, causando má digestão. E depois nos vemos desconsolados, com a cara vazia e o estômago enrolado, perguntando, <i>“que será que me fez mal?”</i>. Enquanto aquele produto inútil, aquelas memórias do filme ou da novela, aquele político, aquela lei aprovada, aquela emoção ou vontade, permanecem entalados, atravessados em nós, sem conseguir sair.<br />
<br />
A voz que fala conosco através da comunicação unidirecional (aquela que não admite resposta), sabe exatamente com quem está falando, quantos anos temos, onde moramos, e se preferimos café ou leite de manhã. Ela que nos diz que emoções teremos ao comprar determinado produto. Ela ilustra nosso desejo de liberdade como sendo andar de 4x4 na lama, com a bravura épica de um batalhão romano, triunfo da condição humana sobre a natureza. Mas no fundo no fundo, tudo que queríamos era a liberdade de sair do mar intransponível de trânsito que atravessa nossa cidade todo fim de tarde, de andar livremente e sem medo pelas ruas... Nossa liberdade não era subir o Aconcágua de jipe depois de um dia cansativo de trabalho. <br />
<br />
É ela quem diz que temos direito à liberdade de fumar um cigarro. E depois nos conta que todo mundo tem direito à saúde e à felicidade, e nos vende um plano de saúde. Ela que ensina didaticamente o desafeto mútuo e escancarado diário na maioria das novelas, e depois nos vende pequenas porções de afeto familiar, a cada intervalo, em um pacotinho de Sazon. <br />
<br />
Não quero dizer que essa voz- <i>que são várias vozes</i>- como a voz publicitária por exemplo, seja uma espécie de desserviço social, que tudo que faz é corromper o homem. Não. Essa voz também tem sua razão de ser. Ela por si só (o ato do anúncio público de algo ou alguma coisa – publicidade) não corrompe pelo que <i>é</i>, mas sim, pelo <i>modo</i> como é feita. <br />
<br />
Não é o sistema que corrompe o homem. É o homem que corrompe o próprio homem, através do sistema. Através de um modo de fazer, de dizer, de anunciar. E continua sendo o homem que dá a tonalidade a todas essas vozes.<br />
<br />
Vozes que falam ininterruptamente conosco, sem resposta, e que sabem mais de nós do que nós mesmos. Que sabemos delas? De onde elas vêm? Com quem temos conversado ultimamente esse tempo todo?<br />
Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-4344758774015706872011-08-14T16:47:00.000-07:002011-08-19T16:27:08.216-07:00Cães, coleiras e casamentosJackie e Juca não sabem passear juntos. Um puxa para um lado enquanto o outro vai para frente e depois para trás, e não demora muito para que eles (e eu também!), fiquemos maravilhosamente enrolados. Se houver um poste ou uma árvore por perto, então a chance da coisa se complicar aumenta muito, e um nó cego não é difícil de prever.<br />
<br />
Assim, tentando fazer (a muito custo) com que caminhassem juntos, tive uma ideia brilhante! Eu até poderia patenteá-la, se alguém com um pouco mais de conhecimento sobre cães e física, já não o tivesse feito. Resolvi juntar as duas guias, enrolando-as como se fossem uma só. Alí, através de um ponto de força único, tudo mudou: Juca e Jackie viram-se presos pelo mesmo laço, e não eram mais a mim que puxavam em seus mirabolantes percursos caninos, mas sim um ao outro.<br />
<br />
Não demorou muito para que percebessem que estavam, assim juntos, a mercê do movimento um do outro, e que quanto mais se recusassem em andar lado a lado, tranquilamente, mais enrolados ficariam, e dessa vez, não era eu quem seria capaz de coordenar seus movimentos, senão eles mesmos, um em relação ao outro.<br />
<br />
Jackie e Juca aprenderam assim, atados, finalmente a andar juntos. <br />
<br />
Uma vez entendido o objetivo comum pela força da ocasião (passear!) os dois viram-se subitamente andando na mesma velocidade e na mesma direção, e cada esforço, para frente ou para o lado, cada cheiradinha de grama, cada paradinha no poste, mesmo quando feita em momentos diferentes, era agora compartilhada, e os dois aprenderam a esperar e sentir um ao outro. <br />
<br />
Não é nem um pouco legal sair correndo por ai enrolando as coleiras em tudo e em todos, mas isso não fui eu quem disse a eles. Eles simplesmente aprenderam. E aprenderam que cada puxão levaria inevitavelmente o outro junto. Então acordaram silenciosamente em fazer um passeio feliz e calmo. Meus dois vira-latas estavam quase andando a passos de um footing do século dezoito. Que orgulho.<br />
<br />
Se eu soubesse que uma lei da física, capaz de coordenar dois vetores de força diferentes através de um ponto comum, era mais eficaz do que qualquer adestramento, eu definitivamente teria feito isso antes. Um puxa um pouquinho para um lado, o outro para o outro, e assim, equilibrando vontades, parecem caminhar cada vez mais para frente.<br />
<br />
Continuei meu caminho pensando maravilhada em como o encontro com a força e a vontade do outro, nos ensinam a dosar melhor nossos próprios passos. Pensei no casamento, em relacionamentos e em qualquer outra ligação de união através de um ponto comum. Agora entendia melhor porque caminhar junto era um exercício que trazia experiências diferentes dos momentos em que caminhamos aparentemente sozinhos. Essa ligação, esse fio, as duas coleiras juntas, como se fossem o lembrete de um propósito em comum – caminhar, seria sempre motivo de aprendizado.<br />
<br />
Alguns dizem que o relacionamento é um espelho, onde nos vemos com mais clareza do que o normal. Ouros dizem que é um sonho, uma alegria, um impulso para a melhora, e outros, um pesadelo, e se revoltam cada vez mais com as coleiras que os prendem, com os passos descompassados e divergentes durante o caminho. <br />
<br />
Para aqueles primeiros, me parece que compreenderam um pouco mais sobre o sentido de estar junto. Para os últimos, mesmo que não compreendam, me parece que vivenciam o sentido disso a cada tombo e tropeço, em que se veem puxados para uma direção que não querem ou não gostam. Para esses, a ligação também ensina. Até que lhes sobrevenha a vontade de ajustar o passo ou se recusar a caminhar em conjunto. <br />
<br />
Para minha felicidade, tenho que reconhecer que essa última opção, pelo menos por enquanto, Juca e Jackie nunca escolheram, recusando-se a passear em conjunto. Por mais que a natureza humana seja completamente diferente da instintiva natureza animal.<br />
<br />
Mas até mesmo Juca e Jackie, caninos até o último pêlo, quando esqueciam que estavam caminhando juntos, ao serem puxados, levados e conduzidos pelo movimento do outro, lembravam novamente de perceber e considerar a presença logo ao lado, calibrando o passo.<br />
Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-65405286241254007472011-07-13T09:19:00.000-07:002011-08-04T08:54:41.508-07:00A Medéia e o vendedor de sorvetesHoje percebo como foi interessante “passear” por alguns personagens na época em que fazia teatro. Cada vestimenta, cada universo psicológico, cada personagem era sempre um novo convite ao entendimento (ou desentendimento) da natureza humana. Durante aqueles longos cinco anos de friozinho na barriga, maquiagens no camarim e ensaios intermináveis, dois personagens vividos ficaram na memória. A Medéia e o vendedor de sorvetes. E desses dois, posso dizer logo de cara qual deles foi mais fácil de encarar: a Medéia.<br />
<br />
Medéia é uma tragédia grega, clássica, densa e absorvente, daquelas cheia de conflitos, cenas impressionantes, com direito a coro grego e tudo mais. De forma bem rasa, ela é um mergulho dramático no que pode haver de mais mal resolvido em um ser humano. <br />
<br />
Mas fazer Medéia não foi difícil. A distância que nos separa fez possível interpretar uma Medéia atemporal, que na montagem da Cia. Paidéia, vestia uma roupa de guerra quase medieval, com manto um de lã por baixo, cheia de retalhos amarrados e uma dura couraça (física e metafórica) por cima de tudo isso.<br />
<br />
Aquela Medéia, com a qual fui obrigada a me deparar, desenrolava sua tragédia subindo e descendo por uma escada vertical de ferro no fundo do palco. Se segurando ora pelos pés, ora só pelas mãos, enquanto cantava sua dor da traição e anunciava a morte dos próprios filhos. Sim, Medéia, além de estar vestida em uma armadura quente, sob uma espessa cobertura de maquiagem branca, que lhe fazia mais parecer um guerreiro mongol greco-medieval, era uma personagem assassina.<br />
<br />
E não foi tão difícil fazê-la. Toda aquela densidade, todas as minucias de um personagem terrível e contraditório, eram possíveis de serem aprendidas e interpretadas. Não tão foi difícil dramatizar, colorir com nuances emocionais, trabalhar, enfeitar o personagem, reconstruir de forma inverídica tantas dores e enganos. <br />
<br />
Lógico, não vou mentir que deu um pouco de trabalho, e que no começo não foi nem um pouco tranquilo falar meu texto dentro de um figurino que era quase uma armadura, de ponta cabeça em uma escada, suando embaixo de tanta maquiagem e ainda por cima, dizendo que iria matar os próprios filhos com um bocado de convicção. (Sim, houve momentos em que eu me perguntava o que estava fazendo ali!) Mas foi uma experiência, um desafio, uma vivência importante. Fazer Medéia, depois de algum tempo, me ensinou a comunicar o indizível, em qualquer situação.<br />
<br />
Difícil mesmo foi fazer o personagem que viria alguns anos depois: um vendedor de sorvetes. Esse foi, senão o maior, o mais difícil desafio durante todos aqueles anos teatrais. <br />
<br />
Sim, um vendedor de sorvetes, que abria a peça entrando em um ônibus com sua geladeira de isopor a tiracolo. E quem disse que eu consegui de primeira? Ou de segunda, ou de terceira? Nada disso. O personagem era simples, natural. Não era abrilhantado por nenhum feito fantástico, não fazia acrobacias em escadas, não resistiu a séculos de história e poeira: pegava ônibus, como eu pegava, e era claro, direto, transparente e espontâneo, sem nenhum artifício. Fazer o vendedor de sorvetes foi para mim a verdadeira tragédia grega. <br />
<br />
Para piorar a situação, o tal vendedor era o próprio narrador da peça, que entre um picolé de milho verde e outro, contava (ou deveria contar) a história para sua plateia, com a maciez e a simpatia do trato fácil e amistoso que todos os bons vendedores de ônibus têm.<br />
<br />
O vendedor de sorvetes era real, palpável e verdadeiro, poderia se encontrar um em qualquer esquina, desbancando os trejeitos de uma interpretação falseada. (Você não costuma ver Medéias caminhando por aí na rua, costuma?) Como era difícil ser simples.<br />
<br />
E como toda catarse teatral há de fazer nos atores, o vendedor de sorvetes, inevitavelmente mudou minha vida, e me fez refletir. Ví como nos tempos de hoje, em muitas esferas da vida social (política, televisão, relações humanas), é fácil ser complicado. Pior ainda, como é fácil usar a complicação e a complexidade para envolver as pessoas. <br />
<br />
Hoje, tristemente, se tornou fácil enfeitar e falsear a realidade, emaranhando os outros em meandros engenhosamente construídos, em discursos impressionantes e tortuosos. É fácil fazer cena, tornar as coisas sensacionais, envolvendo e prendendo atenção das pessoas através do espanto, da complexidade e do horroroso. Tornou-se fácil fazer do espetaculoso, e de tudo que choca e impressiona, sinônimo de importância. <br />
<br />
É fácil ser e entender Medéia na sociedade atual, pois nos acostumamos com ela. Assim como é fácil ter nossa atenção roubada pelas Medéias da vida cotidiana- vide qualquer novela. <br />
<br />
Nenhum personagem principal da maioria dos produtos culturais hoje, parece ser digno desse lugar sem uma boa dose de problemas inacreditavelmente insolúveis, maus bocados e infortúnios. Como diz um amigo, muito da arte aplaudida está virando sinônimo de narrativas neo-sensacionalistas, cheias de negativismo, dos emaranhados da dor, do engano e da perda da condição humana, nas quais o interesse é suscitado pela complexidade de traços horripilantes, em espectadores mortificados, ávidos somente pelo choque sináptico do espanto. A nova arena greco-romana. <br />
<br />
E assim como é fácil representar Medéia, é fácil moldar filosofias e teorias intelectuais complexas, cheias de escombros, abstrações e palavrórios rebuscados. Intelectualizar, manipular, racionalizar, construir sentidos, explicar demais, dramatizar, complicar ainda mais nossas complicações. Hoje, é fácil ser difícil, pois para muitos, isso é sinônimo de atenção, respeito, erudição e poder. <br />
<br />
Em nossos dias não seria nem um pouco fácil fazer a Medéia vender sorvetes na praia, ela é muito complicada para isso. Talvez pudesse fundar um partido, causar um rebuliço no shopping, fazer uma revolução, mas não, vender sorvetes, definitivamente não. Não faz seu tipo.<br />
<br />
Hoje, difícil mesmo é o silêncio. É trabalhar nos bastidores, com ou sem reconhecimento. Difícil é ter poucas e valiosas palavras para dar. A naturalidade do olhar verdadeiro, deixar o afeto amigo exposto, sem medo. Mostrar a imagem de nós mesmos atrás das couraças, não falsear, não querer agradar. Ser espontâneo e natural, enquanto o mundo pede que caminhemos na outra direção. Falar o que sentir, ser simples e viver com simplicidade e tranquilidade, mesmo que pareça desinteressante, inadequado, estranho. Mesmo que não dê votos, não traga audiência, não impressione o chefe. Ter coragem de ser diferente em um mar de personagens teatrais e maquiagens d’alma. <br />
<br />
Explicar menos, vivenciar mais, intuir as sutilidades e singelezas, perceber o outro. Diminuir o ritmo e o domínio da mal domada máquina de pensar e produzir juízos em série que é o pensamento. Se livrar do supérfluo, das artificialidades, compreender a sabedoria das experiências da vida... Reconhecer a maestria natural que exala das coisas verdadeiras, feitas com o coração. Vender sorvetes dentro do ônibus.<br />
<br />
Difícil é recuperar a simplicidade perdida.Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-31213033338748411112011-06-22T08:19:00.000-07:002011-06-22T16:24:42.789-07:00AçúcarDeolinda tinha poucos anos na época ainda. A soleira da porta e o terraço eram quase que uma coisa só, caminho de passagem dos braços cheios de cana fresca, brecha para um espio do moço ao lado, filho de gente douta e encaminhada. Argelino era assim, magro, astuto, sorridente, sabedor dos negócios da família, cheio de dentes. Ele não mexia em cana, seus negócios eram outros, coisas de papelada. Não sabia ao certo o que era, mas ocupava-lhe certo tempo no casarão empoeirado. E papeladas são coisas de importância. E aquela poeira toda no casarão, decerto não lhe causava asma? As tosses dos ricos eram outras, tinham causas de cansaço, diferente das da gente que se confunde com os pés de cana e apalpa a terra com os pés o dia todo.<br />
<br />
Mas Deolinda tinha seu vestido branco para ele reparar ao domingos, e ele lá sempre ao negócios, com o açúcar desfazendo-se no café quente e encorpado, enquanto ela se desfazia em gotas junto à garapa na fervura. Os vapores dali eram os mais doces de toda a propriedade, e o moço Argelino, seguindo o cheiro agudo que dali se expandia, procurou ao redor da moça, e achou de onde vinha seu doce.<br />
<br />
E Deolinda não estava de vestido branco naquele dia, mas a brancura dos dentes se mostrava em um sorriso sincero, franco. Ela também tinha dentes, mas não entendia nada de papeladas. O próprio nome tinha riscado no chão apenas uma vez com a ajuda da tia. Sabia como se parecia o desenho de seu nome, e a forma bonita das letras lhe agradava. Como o açúcar da cana tenra, o desenho do nome era bom, sem explicação.<br />
<br />
Argelino voltou mudado daquele dia. E então passou a reparar mais na moça. Não tinha dote, nem piano, nem alta costura. Não tinha conversa, mas não era muda como as paredes de retratos de seu casarão. Era Deolinda apenas, uma fração de mulher com olhos acordados e lustrosos. E ali, de dentro dos olhos, via vida a saltar fora. Como o pé de manga entre as canas, ela era diferente.Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-40598977942194192482011-06-22T07:42:00.000-07:002011-06-22T13:40:46.797-07:00Das chuvasSempre choveu por aqui. As vezes, a água que caia assumia contornos artísticos, granulada como um filme, espessa como as pinceladas de Monet que encharcavam o nenúfar polido pela tarde. As vezes, ousava com meu guarda chuva vermelho, passear pelas poças, evitando a lama com os sapatos de boutique. Mas aquilo foi nos anos vinte, quando em Paris se conhecia mais a noite do que o dia. Mas eu sempre preferi o dia...e não faz mal assim.<br />
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Mas você disse que gostava de chuva, e eu também, e nisso o tempo passou. Eu continuo gostando dela, mas de um jeito diferente...o sentimento que ela me traz, de aconchego protegido de seus respingos, pelo lado de dentro da janela, é outro. Não se parece mais com a melancolia do gramofone, nem com os traços esparços de um tempo que já se foi...é agora algo diferente, como o grito infantil, alumbramento de Bandeira, ela vem da entranha das matas, dos rios, das terras virgens encrustradas de sibilos que quase ninguém ouve. Ela agora, a mim transparece o que há por trás de cada gota costurada à mão, fio a fio, como o crochet dos tempos outros, quando subíamos as ladeiras empedradas de Évora, Cascais, Ribeira e Aviz, à volta do colégio. Na chuva os pequenos não iam às aulas e ficavam a fazer troça de seus mestres. O mundo era menor naquela época, os livros mais extensos e empoeirados. Conhecia-se o vizinho ao lado, e a chuva sempre nos dizia “Pois fiquemos mais um pouco à espreita do dia”.<br />
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E saudade já não era tanto quanto se pudesse caber numa vida.Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-43512551222450829932011-06-08T17:00:00.000-07:002011-06-08T17:03:46.376-07:00O beabá da Mulher Maravilha!Blog novinho em parceria com uma amiga!<br />
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_fAxGSQszg0W0AD2ShXio8bI6OU7AjZFZxM1m02KlO2G1K6976z0fxtRkMP0tW-onmZcKEbDZBLv_IxSMqJFfuAXqXat49gxXnlm40ChQIaEL2eSzAQhaAyyrVkrgDk4ncWn6BZKPWCo/s1600/fundo_3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left:1em; margin-right:1em"><img border="0" height="285" width="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_fAxGSQszg0W0AD2ShXio8bI6OU7AjZFZxM1m02KlO2G1K6976z0fxtRkMP0tW-onmZcKEbDZBLv_IxSMqJFfuAXqXat49gxXnlm40ChQIaEL2eSzAQhaAyyrVkrgDk4ncWn6BZKPWCo/s400/fundo_3.jpg" /></a></div><br />
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Visitem!!! <a href="http://www.obeabadamulhermaravilha.blogspot.com/">http://www.obeabadamulhermaravilha.blogspot.com/</a>Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-50395813921912955702011-05-27T12:46:00.000-07:002011-05-27T14:21:04.141-07:00Procura-se um amor que goste de viajarProcura-se um amor que goste de viajar. De preferência com idade madura, aparência simpática e um bom coração. Procura-se um amor, que mesmo sem passaporte, saiba lidar com bagagens – friso, isso é muito importante. Que ele saiba carregar as próprias malas, e que elas não pesem tanto a ponto dele ficar para trás em nossa caminhada, nem sejam tão cheias, a ponto de não terem um pouco de espaço livre para as lembranças que traremos de volta de nossos passeios.<br />
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Procura-se um amor que não seja um aventureiro desmedido e me deixe sozinha na mata, enquanto segue encantado os barulhos da floresta. Mas que ele também saiba mudar sua rota no mapa quando for preciso para descobrir o desconhecido.<br />
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Procura-se um amor paciente. Pois para viajar é preciso ter paciência, já que os imprevistos estão sempre por perto. Por isso, procura-se um amor com bom humor, que possa dar risada da maioria dos planos que não deram certo e partir para o próximo ponto no mapa, com coragem e disposição. Procura-se um amor que tenha simpatia o suficiente para pedir um taxi em qualquer lugar que não saibamos a língua, nem a diferença entre “bom dia” e “boa noite”. Procura-se um amor que aguente longas viagens sentado, pois eu não aguento, e gostaria muito que ele me ensinasse isso se fosse possível.<br />
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Procura-se um amor que não sente sempre ao meu lado no trem, mas que por vezes também aproveite sozinho a vista de sua janelinha, enquanto eu aproveito a minha.<br />
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Procura-se um amor que queira experimentar novos sabores, e de vez em quando, se vestir com trajes de outras cores, diferentes daquelas do lugar de que viemos. Pois para mim, isso também é uma forma de ver o mundo. E eu vou gostar de ver o mundo assim de vez em quando. Mas que esse amor não se atrapalhe nem se confunda por causa disso.<br />
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Eu não quero um amor de cartão postal, daqueles de fim de filme e pôr-do sol. Porque eu sei que isso existe, e é lindo quando existe. Mas eu sei que isso não é tudo, nem o mais belo que se pode vivenciar em conjunto. <br />
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Procura-se um companheiro, sobretudo para pequenas viagens, daquelas de atravessar a rua e seguir ao lado, descobrindo e desbravando os traçados do cotidiano. Aquele que viaja sem precisar sair de casa, esse também me parece ideal. E eu peço desculpas para algum amor não viajante, a quem deixei no aeroporto, entregando minha passagem na mão e desistindo do voo, pois meu destino não era o mesmo que o dele. E mesmo que fosse, nossas escalas tão diferentes dariam motivo atrás de motivo para os desencontros. <br />
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Eu não quero um amor a quem possa convencer de seguir meus roteiros cegamente. Nem outro, que me faça ir por seus caminhos sem poder partilhar as decisões durante o trajeto. Só quero um amor que vá, por livre e espontânea vontade para o mesmo lugar que eu, e que por isso embarque comigo. Mas cansei de esperar. Aqui no aeroporto o ar é frio e gelado, e outros ares, de despedidas e de reencontros me fazem melancolia. Além do que, aqui não posso ficar, pois é, como tantas outras coisas, lugar de passagem. Mas como você ainda não apareceu, chegou minha vez de embarcar. <br />
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Só posso esperar que ao menos um dia, você, mesmo a pé, de trem ou pelo próximo avião, chegue lá. Pego então meu caderninho de viagens, minha mala e minha maquina fotográfica e penso comigo mesma que afinal, continuará sendo divertido viajar sozinha. Dá próxima vez, quem sabe, coloco um anúncio no jornal...<br />
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Sento no avião e não demora a conhecida sensação de que esqueci algo em casa, mas não consigo lembrar o que era! Logo eu, que já tinha viajado tanto... <br />
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Então vejo que nessa minha lista de detalhes, esqueci de mencionar o mais importante! Que você, companheiro viajante, assim como eu sou, seja alguém que esteja aprendendo a viajar. E que ainda, se não for pedir muito, traga aquilo que eu deixei em casa e não lembro o que era, mas esqueci de trazer.Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com11tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-51621996549436208362011-05-24T05:42:00.000-07:002011-05-25T16:58:24.031-07:00Tradição e cultura: transformando o intocável(Também publicado em <a href="http://www.library.com.br/artigosdiversos/tradicao.html">http://www.library.com.br/artigosdiversos/tradicao.html</a>)<br />
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Tradição e cultura são palavras que se conversam mutuamente e que são empregadas para diferentes usos e com diferentes conotações. Alguns pressupostos contemporâneos fazem de “cultura” algo que pode ser tanto o retrato de uma época ou sociedade, como algum recorte específico do substrato que permeia a vida social. Dizemos que algo é cultural, quando está profundamente enraizado em determinado lugar ou coisa, tanto que se torna possível reconhecer algo característico disso em extratos sutis ou mais objetivos da realidade. Outra conotação da palavra “cultura”, dessa vez mais popular, está mais próxima do sentido da arte e do conhecimento. Fazer um programa cultural ou ir a busca de cultura vai ao encontro da origem da palavra, mais próxima do sentido de um “cultivo de algo”. Nesse sentido ela simpatiza com noções ligadas ao aprimoramento, desenvolvimento e evolução.<br />
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Já o termo tradição nos leva a pensar em coisas mais antigas, anteriores às culturas do presente e ligadas a conhecimentos remotos, mas nem por isso menos válidos.<br />
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No entanto, existem aspectos agradáveis e outros tantos muito desagradáveis que se escondem tranquilamente sob o título de tradição e cultura. Ora, dirá você, agradável e desagradável são coisas subjetivas. “Não se pode julgar uma cultura na qual não estamos imersos” – cuidado aqui, é muito comum se usar essa constatação para fazer proliferar uma lista argumentos relativistas e vagos. Sobre isso falarei mais adiante.<br />
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Antes gostaria de dizer que seria mais saudável de nossa parte um pouco mais de cautela para não cair em chavões intelectuais, que através do carimbo destas duas palavras – tradição e cultura – ignoram algo muito valioso, chamado senso de humanidade. Muitos vão querer discutir exaustivamente a terminologia do termo e novamente flertar com o relativismo, então eu diria apenas que se refere a aquilo que nos torna seres humanos, interiormente. E cada um sinta como bem entender ou conseguir. Pois há hoje nessa compreensão, infelizmente, uma necessidade de esforço.<br />
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A cautela que vejo ser necessária é simplesmente a de que, nem tudo que é tradição, conserva em si riqueza do passado. Muitas coisas sim. Nem tudo que é tradicional, merece ser guardado e louvado como algo especial, só por não estar presente na atualidade. Algo que muita gente entende por “coisas que estão se perdendo” e que “merecem ser resgatadas”.<br />
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O outro passo cauteloso vai à mesma linha da tradição, mas vale para a cultura, que sob esse largo nome, abre os braços às manifestações que vão muito longe do sentido do valor cultural. Algo que poderia pressupor riqueza e cultivo, no sentido de auto aprimoramento e até mesmo arte ou conhecimento.<br />
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Um exemplo é o sacrifício e a tortura de animais para fins religiosos. Assunto que virou projeto de lei para virar um direito legal em certas localidades no Brasil. Aqui a palavra cultura assume contornos mais fixos e intocáveis ainda, pois se liga à outra, chamada religião. E nesse assunto ninguém quer mexer não é mesmo? Sobre isso, vale mencionar uma corajosa declaração de um vereador do RS, Beto Moesch, feita em 2004, “Estamos em pleno século 21, e o mundo inteiro avança na harmonização dos seres vivos. Trata-se de uma decisão lamentável, que vai de encontro ao próprio sentido da religião, de buscar a paz de espírito. É um atraso".<br />
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Outro exemplo são antigos rituais dolorosos de iniciação para adolescentes em sociedades tribais, que transgridem sem muito esforço quase todos os direitos humanos. Em matéria publicada na Folha, jovens com acesso à Internet tem se questionado sobre a validade destas práticas:<br />
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http://www1.folha.uol.com.br/folhateen/912567-jovens-indios-com-acesso-a-internet-questionam-ritos-dolorosos.shtml<br />
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Muita gente diz que grupos culturais mais antigos não devem ter suas tradições tocadas, mas eu pergunto, é direito de alguém, tribo ou sociedade, impedir o livre questionamento e a quebra de padrões culturais de um jovem para si? Até que ponto nossa posição perante a cultura dos outros não influencia na própria cultura dos outros? Se todos fossemos contra barbaridades como essas, algo enfim haveria de se modificar. Daríamos força e apoio, social e político a tantos jovens, docilmente subjugados a certas práticas culturais que vão contra a dignidade humana. Será que com apoio, informação e conhecimento, suas próprias culturas não se modificariam? Uma cultura que muda, evolui e vai além, deixa de ser uma cultura? As dinâmicas da civilização também não vieram de mudanças e transformações culturais necessárias? Quem foi que contou para nós que uma cultura não pode se modificar? Tantas e tantas vezes, lideranças e vozes de opinião, ao deixar de se manifestar a respeito disso, coadunam com estas práticas através do silêncio.<br />
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A cultura pode sim ser mexida e modificada, pois ela é viva, e não é algo estático que tantos admiram no museu como algo exótico e que deve ser respeitado, mas ai de nós se estivéssemos imersos naquilo, não é mesmo?<br />
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Touradas são outro símbolo da cultura e tradição de um país. Pior, viraram esporte. Afinal, a Espanha não seria a Espanha sem o calor de suas touradas que alimentam uma agressividade e perversão indignas à condição humana. A sensação de mal estar e tristeza sobre isso é latente e constante, não há remédio.<br />
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Ora, dirá você, “há o agradável e o desagradável para cada um, e deve se respeitar a individualidade cultural dos grupos e sociedades”. Mas eu pergunto, até onde vão os grupos e sociedades, no limite em que me tocam? Até onde meu vizinho pode praticar coisas que ferem o senso de humanidade de uma coletividade na qual me incluo? Será que “humanidade” também é algo relativo, e assim, num mundo intelectual, abstrato e vazio de significados ficamos a mercê do nada? A individualidade do outro não pode ser em nenhum aspecto examinada e confrontada com valores como ética, saúde e direitos humanos? A lei e o costume, que moldam a cultura e retomam tradições servem à humanidade até que ponto?<br />
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Enquanto coletividade que evolui, não nos seria próprio deixar para trás e nunca mais retomar certas práticas e hábitos que tantos escondem maliciosamente sob o signo dito intocável das manifestações culturais e tradicionais? Se eu pudesse fazer alguma pergunta à sociedade, eu perguntaria por que esse medo teimoso em perder certas coisas do passado? Nós mesmos, julgando liberdade desmedida abandonamos sem dó aquilo que achamos desagradável. Por que então querer preservar e repetir passos dados no passado que hoje, só nos impedem de caminhar para o futuro?Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-55243522800465253042011-05-11T10:37:00.000-07:002011-05-11T10:54:15.339-07:00O forno e seus fantasmasQueimei o dedo no forno semana passada. Esta doendo até agora e ainda não cicatrizou. Mas acho que pior do que ter me queimado, foi ter encontrado uma explicação para a queimadura. Dizia num livro que pessoas que tem acidentes domésticos com queimaduras, refletem um aspecto inconsciente de sua vida na qual ignoram algum perigo e estão literalmente brincando com fogo. E do forno saíram milhões de cismas sobre subjetividades que iam desde a influência do casamento real na sociedade até o porquê dos porquês. Psicólogos nos prestam um grande favor às vezes com suas explicações sobre coisas que nos passam despercebidas, mas sem o apoio da intuição, do bom senso e de uma boa sintonização com o que realmente vale a pena, corremos o risco de fabricar fantasmas com qualquer coisa que nos apareça. E eu que naquele dia só queria tomar café da manha, entre pãezinhos e fantasmas, acabei me esquecendo de curar meu dedo.<br />
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Pode ser que eu estivesse ignorando algum aspecto simbólico inconsciente da minha vida colocando a mão no fogo sem saber, mas acho que dessa vez, preferi que ficasse inconsciente mesmo. Além do mais, parece que a teima, a fantasia e a superstição estão sempre próximas e gostam muito de andar juntas por ai. Acho que no fundo no fundo, tudo que eu precisava era a voltar a atenção para mim mesma e para meu dedo machucado. Então fechei o forno com seus fantasmas lá dentro e fui atrás de um band-aid.Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2641828866458531646.post-70314242529506216962011-05-04T06:40:00.000-07:002011-05-04T16:58:39.220-07:00JackieJackie é uma cachorrinha terrível. Tem uma personalidade tão forte, que muitas vezes temos de chamar ela pelo nome inteiro, Jaqueline. Que nem criança, que na hora da bronca, não é mais Carol, nem Ca, mais somente Caroline, ela mesma, sem desculpa para ser confundida com outra pessoa.<br />
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Pois bem, Jaqueline é uma vira latinha tão danada e incomum, que por isso mesmo acabou nos saindo uma ótima professora. Jaqueline quer minha atenção o tempo todo, e não há nada nesse mundo que a faça parar de pular em cima de mim – em qualquer circunstância. Pede atenção constante, e se não dou, simplesmente morde minha mão, bem ao estilo "Charlie bit my finger" <br />
(vide: <a href="http://http://www.youtube.com/watch?v=_OBlgSz8sSM">http://www.youtube.com/watch?v=_OBlgSz8sSM</a>). <br />
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Ela também é muito espivetada, ansiosa e esta sempre falando, na língua dela é claro, mas não para de fazer barulhinhos, uivos e latidos, e outros sons estranhos, que meu pai classifica simplemente como “barulhos muito doidos”. <br />
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Jaqueline é exagerada, come demais, esta sempre correndo, tropeçando, caindo, dando cambalhota e se espatifando nas coisas. As vezes ela me lembra eu mesma quando criança. Mas acho que até nisso ela me supera.<br />
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Dentre tantas coisas, Jaqueline me ensinou a respeitar o espaço do outro. Ela é muito ciumenta com nosso outro cãozinho, o Juca, um vira lata monástico e introvertido que prefere o silêncio do repouso e se abstém de toda e qualquer confusão. Causar não é com ele, em nenhuma hipótese. Pois bem, Jackie, em sua extrema empolgação, não nos deixa chegar perto do Juca. Rosna, faz cena e late para ele. Jaqueline também não nos deixa pegar nada na mão que não possa ser mordido e possuído exclusivamente por ela, bem longe de qualquer um. É por isso que ela me ensinou a partilhar as coisas. Por mais que eu saiba que minhas coisas a serem partilhadas estão bem além de uma bolinha e alguns tapetinhos. Jackie também não nos deixa abrir gavetas, sem pular dentro, querendo ficar ali. Aliás, não há espaço que ela não possa ocupar, e não foram raras as vezes que ela sentou em cima do Juca (que é bem maior que ela), ou passou por cima dele, enquanto ele, resignado, franzia a testa frente ao incompreensível. Um outro hábito engraçado é quando ela sai correndo por ai e ao colidir com o Juca, dá lhe umas boas latidas e rosnadas, como quem diz: “quem é você que ousa se colocar no meu caminho, grandalhão?”. Jackie realmente é insuperável. Me faz lembrar quantas vezes batemos cegos contra paredes imóveis, julgando que elas se colocam em nosso caminho, interceptando nossa correria.<br />
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A última de Jackie foi seu comportamento peculiar na presença de estranhos. Alguém já viu algum cachorro rosnar e pedir carinho ao mesmo tempo, abanando o rabo timidamente? Eu não. Pensando bem, Jackie me lembra mais a raça humana do que sua própria espécie. Quantos de nós já sorrimos por fora para outras pessoas, abanando o rabinho, mas rangendo os dentes de vontade de dizer: “ei, não gosto de estar na sua companhia, você me dá medo e vontade de me defender”. Ou então pior, ficamos na defensiva, cheios de armaduras e com os dentes a mostra, quando tudo que queremos, lá no fundo, é abanar o rabinho e dar e receber carinho.Caroline Derschnerhttp://www.blogger.com/profile/17685829645519972049noreply@blogger.com0