segunda-feira, 22 de março de 2010

Cinema, aspirinas e Lula.

Até o Lobão perguntou pra Marina Silva o que ela achava do curioso projeto de levar o filme do Lula Brasil afora este ano, principalmente para lugares onde não existem cinemas, e algumas vezes nem televisão.

Sim, até o Lobão perguntou, porque essa é uma pergunta natural de se fazer quando sabemos que sob o pretexto da baixa bilheteria atingida pelo filme e pela falta de acessibilidade à sétima arte em comunidades mais pobres, o “filho do Brasil” deve varar estradas em caminhões e aportar em lugares onde quiçá energia elétrica é coisa tão rara quanto o conhecimento político a respeito de nosso país.

É lógico que a proposta vem atrelada a um projeto que promete colocar outros filmes em cartaz, mas isso não é suficiente para abafar o peso de um Cine-Lula a todo vapor em pleno ano eleitoral. As sessões a preços populares em torno de 2 reais que os filmes terão nos fazem lembrar aqueles festivais relâmpago de filmes nacionais, que, mesmo em prol de uma democratização do cinema nunca saíram em caravana, como fará a história cujo nome reverbera como uma frase de campanha.

A pergunta que paira no ar não se refere ao filme ou às motivações que levaram a fazê-lo. Não é errado fazer um filme de viés político e mostrá-lo por aí, de jeito nenhum. A própria Marina Silva lembrou que muitas vezes a fronteira que separa a arte do engajamento político é tênue e difícil de ser delineada. Mas eu nunca ouvi falar de projetos de “resgate” a belíssimos filmes brasileiros que foram assistidos em salas repletas de poltronas vazias.

Se quisermos, por exemplo, tentar dimensionar um pouco do poder da imagem da televisão no Brasil, podemos começar lembrando da Copa de 70, quando muitas pessoas viam pela primeira vez a imagem da minúscula bola na tela dar vida à sala de estar. E agora, muitas das pessoas que ainda hoje não tem por hábito a imagem da TV ou do cinema serão apresentadas ao líder que nasce e cresce diante dos olhos em um tamanho de homem bem maior do que as polegadas de todos os homens que nascem e crescem por aí.

É por isso que, inevitavelmente, me lembrei do filme “Cinema, aspirinas e urubus”, que conta a história de uma tela em movimento pelos confins televisivamente virgens do Brasil nos anos 40, passando filmes em preto e branco sobre a descoberta e os benefícios da aspirina e vendendo o milagroso remédio até para quem não sabia exatamente o que era uma dor de cabeça.

Talvez por isso a pergunta feita pelo Lobão e por outros mais, espero eu, aponte para a suspeita de que o filho do Brasil conversando com seus camaradas ao vivo e a cores em ano eleitoral, seja um espetáculo mal dosado para os que tem pouca ou nenhuma vacina contra a vivacidade de imagens tão reais quanto a pálida realidade.