quarta-feira, 27 de abril de 2011

Em busca da Paciência

Um dia sai correndo atrás da paciência. Em debalde segui suas pistas, pedi carona ao seu rastro que corria pela estrada. E mesmo assim, ela me escapava e escapava. E quanto mais tentava, mais longe das mãos e dos olhos ela, pequena ventania, se apresentava. Subi a montanha mais alta, o cume mais reluzente em ar rarefeito, e ela de novo dançava longe, zombando meu desalento. Embaralhava o foco na linha do horizonte e parecia-me que sumia, acesa, com a pressa decorando-lhe as faces cheias de aurora. Então fui me embora.

Voltei para casa, procurei o aconchego dos recantos d’alma, e mesmo assim ela não veio. Fui mais além, arrumei meus próprios cantos, esquinas e ruas, na espera de que ela por aqui se achegasse e enfim, permanecesse. Varri, tirei a poeira, sacudi e entornei fora gavetas de memórias. Mas ela ia longe, e seu canto era mais eco que resposta.

Um dia, já de volta ao centro que há em toda geometria, fui calmamente à porta, e lá estava ela. Sentada (nada mais peculiar), dizendo que me esperava há dias! Mas como é paciência, os dias lhe passaram leves, enquanto eu a procurava em outras cercanias. Foi quando dei-lhe entrada ao mundo de minhas subjetividades, e pedi que se sentasse – ali, bem onde os papagaios do pensamento retém o trino. E então, muito amiga, ela acomodou-se, e afeiçoada de meu centro, em um longo abraço me fez companhia.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Filosofia do Laxante – desejo e natureza no mundo publicitário.

Dias desses, uma propaganda de laxante no rádio anunciava a feliz possibilidade de um novo estilo de vida aos usuários de seu produto. O produto, laxante, laxativo ou purgante, como preferir, prometia uma verdadeira revolução na vida do homem moderno, que, ao invés de possuir um intestino que funcionasse na hora que bem entendesse, passaria a obedecer fielmente a vontade de seu dono. Emancipado das inconveniências e caprichos de um intestino com vontade própria, talvez o homem moderno pudesse enfim ser livre, controlando até a mais rebelde de suas funções corpóreas e por conseguinte, podendo comer o que bem entendesse a seu bel prazer. Ao utilizar o determinado produto, afinal, não haveria mais intestino sequer que ousasse não funcionar no ritmo anti-rítmico de nossos dias atuais.

Falo em tom de brincadeira apenas para atenuar a estranha sensação que me ocorria ao ouvir a propaganda, embalada pelo tom melódico das vozes de mulheres independentes triunfando sobre a vontade ancestral de seus intestinos. Se morássemos em uma aldeia de sábios chineses, daqueles que possuem um monte de vidrinhos com ervas e muito conhecimento nas palmas das mãos, eles com certeza cairiam para trás ao ouvir alguma coisa desse tipo. Não só velhinhos chineses, mas todo um rol de médicos naturalistas com certeza se espantariam e se espantam com mais uma face incompreensível de nossa industria farmacêutica à medida que os muitos laboratórios, em sua busca por resultados, parecem caminhar na direção oposta daquilo que ainda conseguimos entender por “cura”. Também não estou dizendo que não se possa fazer uso do laxante em casos de necessidade. Mas há algo muito estranho em vender o domínio da vontade sobre os ritmos naturais da vida, incluindo os do corpo, interferindo na complexa dinâmica que rege nossos processos físicos, como sono, liberação hormonal em horas específicas, digestão, produção de enzimas, tudo isso trabalhando coordenadamente para nosso bem estar.

Existe uma concepção geral de que o mal estar físico, a doença e o padecer de ordem emocional exigem imediatamente sua anulação por meio dos remédios, como um inadmissível ponto fora da reta de nossa aparente tranquilidade contemporânea. Esquece-se que hoje, antes de mais nada, o mal estar devia ser motivo de reflexão e trabalho. É preciso compreender causa da doença, não apenas abafar seus efeitos. Um intestino que não funciona direito é em verdade um sinal amoroso de nosso corpo de que algo não vai bem e precisa de conserto. Mais do que conserto, trabalho, trabalho interior, emocional. O sistema que realiza a absorção de nutrientes e limpa o corpo, merecia um tratamento um pouco mais respeitoso de nossa parte. O que será que andamos comendo que anda embrulhando nosso intestino melhor do que pacote de mudança? e o que será que não queremos deixar sair? A medicina psicossomática liga o mal funcionamento do intestino à necessidade de controle, retenção, medo, ansiedade e insegurança. Tias e avós ligam isso a obviedade de nossas dietas, tão desreguladas e pobres. Ricas em sabor (estímulos para papilas que perderam a capacidade de sentir), mas pobres em equilíbrio.

Mas a cultura de nossos dias é audaciosa e nos vende fácil ideias que não fazem parte de nós mesmos, de nossa estrutura e de tudo que há ao nosso redor. E não paramos para pensar nisso. “Interferir para controlar” esse é o lema do homem moldado pela cultura publicitaria, que é antes de mais nada, a cultura da satisfação de desejos que mal sabemos se queremos ter. Alimentação, absorção, digestão, eliminação e decomposição são partes de ritmos maiores, que estão além de nós, e que não conseguiremos controlar ou manipular sem muito ou total prejuízo. Nem os laboratórios que vendem pílulas milagrosas, nem as felizes mulheres donas de seus pobres intestinos, que sobrevivem à despeito de toxinas, seja de ordem orgânica ou emocional, já que esta últimas se convertem facilmente em toxinas orgânicas. Mas afirmações como essas, infelizmente ainda são motivo de espanto e provocam arrepios na cultura publicitária do “faça o que quiser”. Disso tudo, fica a reflexão em ousar passar aquilo que recebemos diariamente da cultura e da sociedade pela peneira da consciência. Também fica a reflexão de que, quando possível, evitar usar laxantes químicos e artificiais trivialmente no dia dia como sugere a propaganda. Eles, além de abafarem algum sinal de nosso corpo que ignoramos, destroem a flora intestinal a longo prazo, roubando-nos um precioso elemento, além de outros tantos, chamado imunidade. Mas isso as companhias não nos contaram, ou se falaram, falaram baixinho, em letras miúdas para ninguém ler e ouvir.