sábado, 20 de abril de 2013

A cultura das coisas

"Os processos, a engenharia e a técnica não são o problema. O problema são as pessoas, que se unem para falar sobre coisas. Se deitam pensando em coisas. Se refastelam na falsa sensação de êxito de uma sociedade cujos processos materiais estão em pleno funcionamento. O homem se afastou do homem para buscar coisas, para ler sobre coisas, para trabalhar pelas coisas, para amar através das coisas".


Processos, eficiência, capacidade, inovação. Atributos tecnológicos passam às relações humanas com a mesma facilidade que Bauman anunciara sobre as relações de consumo e o território das relações pessoais –parco limite. 

Os olhos crescem aos gadgets, traquitanas, apps. É mais fácil falar sobre configurações do que sobre sentimentos. As pessoas se unem, juntas se divertem, para falar sobre configurações.

O tempo que desponta faz da técnica a expressão de uma cultura. Mas a técnica é tão antiga quanto aquele pessimismo da tecnologia-robótica e do homem virtualizado, que não se realizou. Não se realizou como imaginávamos, pois nem nisso somos bons –imaginação. O homem virtualizado não é filosófico, não existe em um espaço de bytes matemáticos de estranhas convulsões acadêmicas. Ele é um nó, um homem pasmo, um homem bobo que se diverte e rí das engrenagens que o rodeiam mas esquece, quase que confortavelmente de si mesmo. Sua preocupação está nas coisas que podem atrair sua atenção, um novo método, uma nova invenção. Um jeito novo de empilhar garrafas e transitar dados, tudo que não é vivo lhe é caro e próximo.

Os processos, a engenharia e a técnica fizeram uma civilização, são a mimésis sempre imperfeita de uma natureza simples. Mas os processos, a engenharia e a técnica não são o problema. O problema são as pessoas, que se unem para falar sobre coisas. Se deitam pensando em coisas. Se refastelam na falsa sensação de êxito de uma sociedade cujos processos materiais estão em pleno funcionamento. O homem se afastou do homem para buscar coisas, para ler sobre coisas, para trabalhar pelas coisas, para amar através das coisas que o ser amado ostenta e representa. A excitação sobre o novo aparato é como um sonrisal cadente, que espuma e brinda a novidade de tudo aquilo que pode ser construído, dominado, manipulado. Das sensações vivas, das impressões profundas, pouco-se sabe. A mídia e as conversas passam pelas coisas com incrível facilidade e nos enamoramos delas. Se as possuímos, triunfo.

Uma vez o homem se afastou da religião corrompida para encontrar o sentido em si mesmo, nas humanidades, no esclarecimento, na ideia iluminada em tempo de dogma-breu. Mas o homem retornado ao homem não pode evitar a barbárie. Certo é que o homem da religião institucionalizada também promovia a barbárie.

Pergunte ao homem sobre coisas, ela é sua nova crença, esculpida no panteão da participação no mercado. Participar do mercado é participar da própria vida, centro da estrutura de significado contemporâneo, valor maior que orienta o modo como os jornalistas e as pessoa ditas interessantes falam. Sua crença não é mais capaz de esconder nas palavras. 

Agora o homem se volta para as coisas, sua ordem é das empresas, dos produtos, sua linha guia é produzir algo para vender e se manter vivo. Só que a vida muitas vezes se esvai nestes entre-momentos de compra, venda e produção acelerada. Produção sem vontade nem coração. Para constar, a idade e a cultura das coisas também não pode evitar a barbárie.
Parece que o sentido, a essência do cotidiano se perdeu em um momento específico ao longo da história. Para não adentrar neste território dizemos que a barbárie e a falta de sentido são a essência do homem. Mas o homem lobo do homem é uma grande desculpa que nos contaram, para justificar todos os nossos erros. Afinal, não há nada a melhorar em homem que é lobo do homem, por natureza corrompido. 

Como a sentença de uma igreja secular, as epístolas intelectuais guiam toda uma sociedade cada vez mais para fora de si mesma e em direção às luzes das coisas construídas e perecíveis.

Voltemos ao instante em que se deu a ruptura.