domingo, 28 de fevereiro de 2010

Reencantamento

Há a necessidade de reencantamento por que há desencanto. Há desencanto aqui e ali. Relações encantadoras se desmancham, cidades e lugares cheios de história tem sua magia dissolvida, pessoas vão amargando aos poucos junto com seus dissabores cotidianos, pensamentos e assuntos encantadores caem em desuso e casamentos vão azedando como leite esquecido na geladeira.

Nos desencantamos em relação ao país, à justica, ao emprego em que estamos. Somos seres desencantados em relação aos sonhos que tínhamos na época em que éramos mais animados do que hoje, e que todas as possibilidades eram de fato, possibilidades possíves, pleonásmicamente falando. Já fomos mais animados, mais vivos e mais otimistas em relação a tanta coisa. Reanimar, em termos médicos, é aquilo que fazem conosco quando estamos num estado de franca proximidade com a morte.

O que é ser alguém verdadeiramente animado então? É ser utópico? romântico? saudosista? E estar encantado? Seria o encanto um estado pueril de delírio próximo à fuga da realidade? ou um estado de felicidade forçada e anormal? O encantamento só pertence aos chamados sonhadores, levianos, irreais e frágeis? Ou seria aquilo que começou nos anos 60 e deixou tudo azul e todo mundo nu? Não. Encantamento não é isso.

Encantamento é uma habilidade, uma sensatez e uma capacidade muito mais louvável, realista e magnífica do que imaginam os desencantados. Encantamento é sutil, é sorrir por dentro, com nossa respiração, ossos e músculos. Ser encantado é o prolongamento diário da experiência de estar verdadeiramente encantado com algo. É reverenciar o bom, o belo, o verdadeiro e o nobre. É agradecer por estar vivo, é respeitar a natureza por tudo que ela é apesar do que resta dela, é louvar boas ações e reconhecer boas pessoas. É ter a coragem de sair de casa todos os dias como quem procura pérolas na lama e quando passa por estas pérolas, as reconhece, respeita e cuida, com vigor, paciência e amor inabaláveis.

Tenho amigos que fazem “reencantamento ambiental”, tarefa notável, feita de ações simples como botar um punhado de terra na mão de uma criança e mostrar que o que ela come vem daí. Sim, as coisas não nascem no supermercado. Reencantar seres desencantados, mornos e embotados é uma tarefa árdua e necessária. Necessária porque ser encantado com o que existe de bom é a única condição para que o bem continue existindo. O poço do desencanto aguarda ao lado. As placas do conformismo, da alienação, da fuga pela fruição do prazer, do status quo, da normalidade e do menor esforço indicam o caminho deste poço. Mas é difícil ver estas placas quando há miopia.

Desencantamento é a imagem de um homem sozinho e mal humorado que cortou a árvore de seu quintal por causa da sujeira das folhas. É a imagem de um funcionário público empurrando causas importantes pra dentro de uma gaveta e saindo da mesa para ligar para a namorada. É chegar em um lugar novo e ser recebido sem nenhum calor. É dar um animal de presente para o filho e se desfazer dele como um brinquedo que perdeu a graça.

Vemos o encanto pela vida escapar pelos dedos. Mas só fizemos da vida algo sem encanto quando paramos de acreditar nele, sabe-se lá por que, preferimos esquecê-lo, fingir que isso não existe e que não é sério o bastante pára nós, pessoas ocupadas que precisam ganhar a vida. É por isso que reencantar é parar de morrer aos poucos e recuperar nossa humanidade perdida, custe o que custar.

5 comentários:

  1. Esse encantamento foi trocado pelas fortes sensações que o mundo moderno provê, sensações que deixam o lado humano calejado, achando que as pequenas coisas da vida são pequenas demais pra vida, enquanto que deixa outras partes sob os holofotes. Uma visão parcial que impede a contemplação da beleza do todo, em seu esplendor e simplicidade que as coisas verdadeiras da vida possuem.

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  2. Consumismo e futilidade vem da criação, e não do desencanto. Se uma criança não viver ao ar livre, conhecer a natureza e familiarizar-se com ela, é óbvio que como adulto ela não terá o menor interesse nisso. Deve-se ensinar a pensar desde pequeno, ensinar a estruturar idéias e também ensinar a respeitar os outros. Só com isso já veríamos uma grande diferença. Mas "fortes são aqueles que transformam em luz o que é escuridão." - Estes são os que se encantam. E essa frase é do ForFun.

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  3. Luis, ví uma vez um livro que falava só sobre isso que vc comentou...sobre essa busca desenfreada de intensidade e rapidez...contraditóriamente..seria isso justamente uma intensidade vazia de vivências profundas..ou seja, o oposto para quem busca uma verdadeira e marcante intensidade! Muito legal!

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  4. Muito singelo e verdadeiro seu depoimento Carol. O bom é que uma pessoa que já realmente se encantou um dia,sabe que a felicidade só pode ser novamente alcançada se ele recuperar éste encanto. Mas um encanto maduro é algo ainda mais difícil ainda de ser alcançado, tem um trecho do livro "Noites Brancas" do Dostoyevski que resume poeticamente esse sentimento perdido:
    “Sente se que aquela fantasia inesgotável, finalmente se cansa, enfraquece numa tensão eterna, pois você amadurece, abandona seus antigos ideais: estes se desfazem em pó, em pedaços. E no entanto, é uma outra coisa que a alma pede e quer! E em vão o sonhador remexe, como que nas cinzas, em seus velhos sonhos, procurando nessas cinzas ao menos uma centelha para soprá-la e, através do fogo renovador, aquecer o coração esfriado e ressuscitar novamente nele tudo o que antes era tão belo, que tocava a alma, que fazia o sangue fervilhar, que arrancava lágrimas dos olhos e que iludia com tanta perfeição!”

    Um grande beijo Carol

    Guimbão

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