Na equação da sustentabilidade, a questão do tempo tem sido deixada de lado sem que se note sua importância na transição para uma sociedade social e ambientalmente mais equilibrada.
A sustentabilidade, em outras palavras, não significa nada além de reformular processos, estruturas, relações e bens de forma diferente do que foi feito até então. Seu nome também poderia ser reconhecido como um outro modo de “fazer”. Fazer melhor do que até então, fazer direito. Refazer.
Só que para refazer processos e estruturas é necessário um tempo-recurso que, via de regra, não temos sobrando. “Só se eu tivesse todo tempo do mundo faria isso”, quem nunca ouviu?
O tempo do fazer direito as coisas, como se deve ou se deveria (fazer o melhor possível, ainda que não o melhor), inexiste em uma agenda de praticidade e correria. Geramos mais lixo porque não temos tempo de cozinhar e comer o que compramos. Compramos mais porque não temos o tempo de fazer em casa, então compramos feito. Compramos o novo, compramos algo rapidinho porque precisávamos na hora e não tivemos tempo de pensar em uma alternativa (procurar melhor, pedir emprestado, consertar, repensar a necessidade).
Trocamos tempo por coisas compradas e pagas, o tempo todo.
Quanto dinheiro custa o
tempo?
E assim a sustentabilidade se vê
sem pernas para acontecer: “Não tenho tempo de ir a pé até o trabalho”. “Não
tenho tempo de fazer comida em casa, por isso compro pronta”, “Não tenho tempo
de estar com meus filhos, então compro coisas que possam entretê-los”, “Não
tenho tempo de planejar minhas compras, então compro o primeiro item que
encontrar”, “Não tenho tempo de cuidar da reciclagem”.
À primeira vista, o fator que sempre nos parece impedir com mais força a realização de ações sustentáveis é o dinheiro. Sem dinheiro nada feito. Mas só parece, pois o dinheiro é somente um recurso que precisa de um espaço de tempo disponível e adequado para ser utilizado da melhor maneira possível. Alguém sem dinheiro e sem tempo é infinitamente mais pobre que alguém sem dinheiro, mas com tempo para criar, dosar e pensar em alternativas, procurar promoções, fazer em casa, fazer diferente, reinventar. Com tempo disponível, pode se fazer bom uso mesmo de uma quantia modesta de dinheiro.
O inverso também é verdadeiro: sem tempo, todo custo sobe (custo de urgência) e é necessário muito dinheiro para substituir ou comprar tempo escasso. Com tempo podemos fazer e cuidar de uma horta, ter um estilo de vida mais saudável, nutrir relações cooperativas de troca, como conhecer o vizinho que um dia poderá tomar conta dos filhos em uma necessidade, emprestar uma furadeira. Falta nos tempo para planejar melhor o dia-dia e as soluções que exigiriam dinheiro, mas podem dar ótimos resultados com mais criatividade. A sustentabilidade não é outra coisa senão criativa, mas para que qualquer criação surja, o devido tempo é exigido, senão sai mal feito. E se sustentabilidade tem a ver com fazer direito e fazer melhor, pois do mal feito já temos muito, a ausência de tempo aparece aí como um forte impeditivo.
Tempo é um capital, como o dinheiro, pode impedir a realização de ações e atitudes mais sustentáveis pela ausência de sua disponibilidade enquanto recurso. Voltemos ao exemplo da horta, o custo de sua criação e manutenção não é tão caro quanto o tempo disponível para cuidar dela. Ter uma horta e ainda se beneficiar de seus alimentos é barato. Caríssimo está encontrar ou viabilizar o tempo necessário para o seu cuidado.
Então é melhor parar o
relógio?
Mas que tipo de tempo é este que
falta a nós e à sustentabilidade? Este tempo livre, é um tempo vazio? Inerte ou
mágico, que aparecerá de lampejo no meio de uma tarde qualquer?
O horário na agenda entre uma coisa e outra que nos permitiria simplesmente dar mais atenção à vida e a nós mesmos, nossa família, nossa casa, nosso corpo, sempre pode ser útil. O tempo vazio filosófico de algumas culturas orientais ou o ócio (o tempo vazio que gera tédio, alienação, anulação da percepção e dispersão criativa) neste contexto, de uso equilibrado e saudável, ganha outra acepção. É um tempo ativo-meditativo, utilizado com consciência e atenção, mesmo para descanso da mente ou em uma atividade, é um tempo que gera frutos, ou seja, um tempo criador de algo. Quem nunca se deparou com a estranha sensação de desencontro ao ter um dia livre no meio da semana? Dosamos mal e não sabemos o que fazer com nosso tempo livre criativo, que não é vazio, é tempo livre útil, para ação, e pode ser aproveitado nesse sentido.
A falta de tempo em
todo lugar
No plano individual é possível
observar reflexos ainda mais nítidos da falta de tempo. A insensatez que vem do
“falei sem pensar, sem refletir”, o descuido nas relações que vem do “não
consegui dar a devida atenção” o torpor que vem de uma “vida corrida, um ritmo
alucinante”, a alienação do “não percebi, não tive tempo para isso”, a falta de
ação pelo “não tenho tempo”. A nostalgia do “tempo perdido”. O desequilíbrio e
doença de um corpo exausto e sobrecarregado do “não parei a semana inteira”. Um
corpo que é um relógio e possui seus ritmos e não passa ileso por uma vida
sem tempo.
A sustentabilidade, sinônimo de equilíbrio, será a primeira a colapsar onde houver ausência deste precioso recurso. Ela não será vista, nem notada, nem valorizada (e por isso, não monetizada) ou sequer reconhecida por pessoas que sempre tem algo mais importante para fazer.
Sustentabilidade é um bem a longo prazo, ela não faz sentido no imediatismo e num tempo relegado a contrações mínimas e esparsas, pois requer continuidade e constância, ritmo. Ela é sabia, perene, capaz de se sustentar no tempo, por muito tempo, por isso, se diz sustentável.
Ter tempo é criar
condições
Nada adianta o recurso monetário,
por exemplo, sem as condições adequadas para sua utilização, construídas,
amadurecidas e bem elaboradas no tempo, resultando no melhor aproveitamento
possível do dinheiro. Quer um exemplo? Na Educação de um país como o nosso, o
já escasso recurso financeiro passa mal absorvido por estruturas e processos
que carecem de investimento de tempo para serem melhorados, refeitos, trabalhados,
polidos, lapidados.
Mas lapidação é uma palavra que soa quase como uma ofensa em uma sociedade pobre de tempo, é preciosismo demais. Luxo lapidar quando somente a pedra bruta já faz tanta falta. “Não podemos ser sustentáveis antes de fazer todas as outras coisas mais importantes primeiro, como acabar com a pobreza e a fome, depois veremos o que fazer”. Me pergunto, diante desse estranho discurso já gasto: a pobreza e fome não tem tudo a ver com a sustentabilidade? Porque não fazer o urgente, já de forma sustentável?
E sobre a necessidade de lapidação, sustentabilidade é fazer o que, senão lapidar? Azeitar e polir as velhas coisas, para que possam de fato ter melhor valor do que anteriormente? Mais uma pedra bruta lançada à engrenagem, custará mais dinheiro e mais tempo no futuro, e assim iremos...
Respiro, pausa, reflexão, análise, planejamento, avaliação. São todas qualidades urgentes em nossa vida, todas pertencentes à esfera da disponibilidade de tempo. E se sustentabilidade é também uma reorganização de valores, isso só pode resultar em uma reorganização de prioridades. Logo, em uma reorganização do tempo. A sustentabilidade reorganiza o próprio tempo a partir de seus valores intrínsecos. E o que acontece quando tentamos ser sustentáveis usando um reloginho de medidas insustentáveis, regido por valores outros? No mínimo alguns percalços, atrasos e desencontros.
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