sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Poker Face

O que a Lady Gaga tem a ver com os urubus da Bienal? Tudo.

Os urubus finalmente vão sair da Bienal. Para quem não ouviu falar sobre isso, eles faziam parte de uma instalação da 29a Bienal de Arte: ficavam dentro de uma espécie de cativeiro que cercava os bichos em um espaço com enormes caixas de som ligadas.

Já no primeiro dia a obra foi pichada com os dizeres: “liberte os urubus”, e daí pra frente artistas e ambientalistas passaram a rosnar seus direitos inalienáveis mídia afora.

O tema da Bienal deste ano foi arte política. E para mim é quase que um escândalo, palavra que já virou senso comum, falar de política sem ética. Se lembrarmos que estamos no Brasil então...

Vamos combinar, não há nada de ético no caso dos urubus. Que me venham falar de liberdade artística e de expressão, eu não estou nem aí. Uma obra que pretende discutir política, através de uma afirmação e uma constituição substancialmente antiética está fazendo o que? Uma crítica que redunda no vazio, já que seu próprio modo de ser no mundo subverte a discussão.

Veja bem, eu sou ecochata sim, mas estou tentando deixar isso um pouco de lado para tentar adentrar um pouco mais fundo naquele território que louvamos como sendo o da arte: colocado num pedestal inumano e inálcançável, onde qualquer questionamento ao seu status inamovível e soberano, é uma profanação.

A arte é livre, se não não é arte, quem já não ouviu isso? Nós também somos livres. Eu também sou. E na minha pequena e democrática liberdade de expressão, ouso dizer que esse fervor todo por uma arte que está acima das decisões humanas e não abaixo, é um campo aberto de relativismos, no qual o parecer, vale mais, muito mais do que o ser. Nesse momento alguém pode estar querendo arremessar o mictório do Duchamp na minha cabeça, por que foi exatamente isso -desvincular o ser do parecer, que ele a muito custo, consagrou.

Na dita instalação, infelizmente, valia mais o significado artístico socio-filosófico- e-lá-vem-enrolação dos urubus, do que sua própria condição como seres viventes e como patrimônio ambiental brasileiro.

Patrimônio ambiental? sim, urubu, aquele bicho que come carniça e que ninguém gosta. O bicho que faz o papel de lixeiro na natureza. Olhar para ele com desdém é como esquecer que no nosso habitat natural, alguém também tira o lixo da nossa porta, da nossa vista. A diferença é que ninguém come nosso lixo. E se o fizesse, teríamos muito a agradecer a essa pessoa.

Os urubus da Bienal são como a Lady Gaga no VMA, ostentando um vestido feito de carne. Só para lembrar, carne é aquilo que compramos no açougue pra comer. Lady Gaga, do alto de sua febril condição pós moderna justificou a presepada: Queria mostrar que não queria ser tratada como somente mais um pedaço de carne.

Voltando ao mundo real, onde a genialidade do comentário, não passa de um mero comentário, e a fantasia do metafórico vestido de carne não arrouba os corações, há fome. Há fome no mundo e é muita. A ONU se debate ano após ano sobre a terrível condição humana de ter o estômago vazio, dia após dia. Tão vazio como, graças a uma decisão judicial, está agora o viveiro dos urubus, onde não há mais nenhum carne e só o ronco estomacal dos altos falantes ocupa o espaço.

O vestido, assim como os urubus, é quase uma ofensa ao bom senso. Mas é também um elogio para aqueles que se deliciam com o mundo do aparente, onde a realidade paira longínqua, falando em voz baixa com medo de ofender aos altos falantes formadores de opinião.

Veja bem, não tenho nada contra artistas e estilistas, só procuro não acreditar mais em tantas caras e bocas que dissimulam a real situação do jogo...Ouso acreditar que, independente da aparência desejada, as coisas ainda são o que são... Pa pa pa pa pa pa pa pa poker face...

2 comentários:

  1. "...não tenho nada contra artistas e estilistas, só procuro não acreditar mais em tantas caras e bocas só dissimulam a realidade de um jogo vazio."
    Vive-se, efectivamente, o jogo da aparência. E - quem quer saber? - com as grandes questões aqui mesmo ao lado.

    beijo :)

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  2. Ainda me lembro de você falando "esse post será polêmico".
    Oh minha nossa. O que será que ela vai abordar? Seria a disputa pela presidência no Brasil? As relações sociais nesse mundo onde há cada vez mais suicídios e as pessoas vivem à esmo, procurando cada vez mais problemas para desviarem o foco da atenção e energia delas pra descobrir o real sentido da vida? (o número é 42, isso não vale pq já foi calculado)
    Seria a questão da legalização do aborto no Brasil? A discriminação e toda a cadeia de produção (e criminalidade) das drogas? O sem-ter-nada do Corinthians?

    Não, é um post polêmico sobre arte.

    Ok, demorei um pouco pra assimilar isso, mesmo pq eu sabia da história da Lady Gaga, mas a dos urubus foi novidade pra mim e nem parece ter o que discutir, pois a história já seria barrada pelo meu bom senso na parte do direito dos animais (e respeito à natureza), sendo expulsa da minha mente antes mesmo de conseguir cantar "pa pa pa poker face pa pa poker face (ma ma ma ma)". Devo admitir que você fez um bom encadeamento lógico ao dizer que a discussão "...redunda no vazio, já que seu próprio modo de ser no mundo subverte a discussão.", realmente dá uma camaçada de pau no assunto (ah, dialeto manezinho da ilha...)
    Se através dos atos conseguimos identificar as pessoas, fica fácil de perceber quem é quem quando começa o palavrório sobre a liberdade da arte que, acredito eu, tem que respeitar o bom senso, pois senão torna-se um testemunho da falta de tato das pessoas, passa a pertencer ao mesmo nível do lucro/vitória a qualquer custo e dos fins justificarem os meios.

    Parabéns pelo post.

    Bjus

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