segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Sweet manipulation

Já não é de hoje que o mesmo assunto bate em minha porta, seja pela boca de um amigo ou amiga, seja pelas palavras de algum teórico, distante no tempo e espaço, próximo em pensamento. Isso porque observar o modus operandi da mídia é uma tarefa que requer anos de estudo, um doutorado e uma tese, ou apenas uma sentada no sofá diante da televisão, com olhos mais abertos e uma mente menos amortecida. Sem desmerecer nenhum dos dois, vamos ao caso.

Não é de hoje que a abordagem infantilizada, por meio da publicidade, da mídia e da política, varre o imaginário popular com uma desenvoltura aterradora.

Mas o que significa dialogar constantemente com um discurso que nos trata como se tivéssemos pouca maturidade? Que efeito psicológico tem a voz que fala conosco através da comunicação como se fossemos carente de entendimento? Que não se aprofunda e permanece sempre na superfície dos lugares comuns e dos consensos previamente aceitos? O discurso é uma arma poderosíssima, capaz de conduzir facilmente pela mão os menos atentos.

Se eu falo com você como se tivesse 10 anos de idade, com pouquíssima ousadia crítica e reforçando silenciosamente que “você não sabe nada, ainda tem muito para aprender”; Se eu falo com você com a tonalidade da voz paternal da experiência, aquela que sabe o que é melhor para “você e sua família”, que tipo de resposta estou esperando de você? E porque será que eu falo sempre de “você e da sua família”? Seja pra vender margarina ou divulgar meu partido, quem foi que abriu a porta da sua casa e reservou um lugar no seu sofá para que eu conheça sua família assim tão bem?

Se uma pessoa fala com você assim, você com certeza vai achar um pouco estranho. Mas se muitas vozes da comunicação falam com você assim o tempo todo, a tendência, como quase em tudo, é achar que a maioria tem razão.

Mas pouco paramos para prestar atenção nessas vozes que dialogam conosco o dia todo. Pouco paramos para ouvir o que elas falam, o que elas tem a dizer, e o que sobra da intenção fundamental revestida de frases de efeito.

Pouco notamos que entre uma trama de consensos altamente digestíveis, facilmente se aderem pedaços de ideias, que despercebidas nesse emaranhado, depois se encontram e se combinam em nosso interior, causando má digestão. E depois nos vemos desconsolados, com a cara vazia e o estômago enrolado, perguntando, “que será que me fez mal?”. Enquanto aquele produto inútil, aquelas memórias do filme ou da novela, aquele político, aquela lei aprovada, aquela emoção ou vontade, permanecem entalados, atravessados em nós, sem conseguir sair.

A voz que fala conosco através da comunicação unidirecional (aquela que não admite resposta), sabe exatamente com quem está falando, quantos anos temos, onde moramos, e se preferimos café ou leite de manhã. Ela que nos diz que emoções teremos ao comprar determinado produto. Ela ilustra nosso desejo de liberdade como sendo andar de 4x4 na lama, com a bravura épica de um batalhão romano, triunfo da condição humana sobre a natureza. Mas no fundo no fundo, tudo que queríamos era a liberdade de sair do mar intransponível de trânsito que atravessa nossa cidade todo fim de tarde, de andar livremente e sem medo pelas ruas... Nossa liberdade não era subir o Aconcágua de jipe depois de um dia cansativo de trabalho.

É ela quem diz que temos direito à liberdade de fumar um cigarro. E depois nos conta que todo mundo tem direito à saúde e à felicidade, e nos vende um plano de saúde. Ela que ensina didaticamente o desafeto mútuo e escancarado diário na maioria das novelas, e depois nos vende pequenas porções de afeto familiar, a cada intervalo, em um pacotinho de Sazon.

Não quero dizer que essa voz- que são várias vozes- como a voz publicitária por exemplo, seja uma espécie de desserviço social, que tudo que faz é corromper o homem. Não. Essa voz também tem sua razão de ser. Ela por si só (o ato do anúncio público de algo ou alguma coisa – publicidade) não corrompe pelo que é, mas sim, pelo modo como é feita.

Não é o sistema que corrompe o homem. É o homem que corrompe o próprio homem, através do sistema. Através de um modo de fazer, de dizer, de anunciar. E continua sendo o homem que dá a tonalidade a todas essas vozes.

Vozes que falam ininterruptamente conosco, sem resposta, e que sabem mais de nós do que nós mesmos. Que sabemos delas? De onde elas vêm? Com quem temos conversado ultimamente esse tempo todo?

3 comentários:

  1. Olha só,e tem tudo a ver com o tema da corrupção...porque se entregar pelo dinheiro é corrupção, construir algo que não é verdadeiro sabendo disso é corrupção, fazer parte disso e não se importar é se corromper...

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  2. Corrupção significa "romper em conjunto" (vem de corromper), romper em conjunto com algo, ou com um sistema, aderir a algo que rompe, desagraga, destrói. Estar no sistema que rompe e caminhar junto com ele, é corrupção.

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  3. De fato, subir o aconcágua de jipe não seria nada interessante!

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